sexta-feira, junho 30, 2006

Lilly Rose

Agora que parece inevitável a partida, deixo aqui uma última carta de amor.

Eu também não perdoo que se perca a Lilly pela falta de uma palavra. Porque pode haver sempre heterónimos que substituam heterónimos. Mas há heterónimos que se apaixonam por heterónimos e a seguir se perdem de dor pela ausência. Quem somos nós para nos metermos nesse mundo em que os heterónimos vagueiam? Que temos nós a ver com aqueles que não somos? Que poder é este de ser e não ser ao mesmo tempo? Não, não é justo que uma palavra faça desaparecer outra e que essa outra leve com ela as palavras que estavam a germinar num outro lugar imaginado. Porque há sempre a hipótese de não haver a certeza sobre quem se conforma no heterónimo. Há sempre a possibilidade de o heterónimo ser afinal o outro que tem o poder de se esquecer por não querer recordar. Não, não é justo que o heterónimo desanime o outro heterónimo, ou, parafraseando o Luís Filipe Cristóvão, nos contentemos em ser poucos lá em casa para o muito que há para fazer. Não desistas Lilly de encontrar a palavra certa para o espaço vazio. Há no feminino o dom de criar o espaço adequado à presença do masculino. Seja assim, então, a ausência de uma ‘password’ a castração da potência que dava a Lilly a hipótese de ser desejada. Espaço vazio que nada gera, que nada produz, que nada sofre e que nada goza. Não, não é justo que uma palavra elimine outra.

Ikivuku

1 comentário:

Elipse disse...

A Lilly é, de facto, objecto de paixão para todos quantos a leram. Podem até desaparecer as palavras mas ela é personagem. Na literatura dizem que não se confunde com o autor... nas ainda bem que nos é dado a nós, leitores, o poder da construção ficcional.