Vozes que não a minha deram em tempos recuados origem ao Princípio da Tangência. Os primeiros elementos que a história recolhe ligam-no a verticalidade e a sustentação. Só no século III da nossa Era o Princípio da Tangência se passou a definir nos padrões da intransigência, da filantropia e da exactidão. Hu In Tau, célebre pelas suas reflexões cósmicas, laborava sobre todas as funções que poderiam ser retiradas da mente sem que se perdesse o sentido da realidade.
Nem sempre as vozes fundadoras são as mais fecundas. Por vezes enredam-se na própria vaidade e vêem o que não está em lugares onde o que está não é visível. Se hoje vamos tão atrás à procura da essência - como se no passado remoto houvesse mesmo uma fulgurante explosão de ideias, de sonhos e de verdades - é apenas porque precisamos de acreditar num fundamento que se sustente em desconhecimento plausível.
Hu In Tau negava o paraíso. Para ele o progresso era o sentido do tempo e nada havia antes que fosse acima do agora.
Houve vários séculos que passaram até haver tempos e homens que de novo vertessem a sua orgânica atenção sobre a Tangência e os seus princípios. Por vezes é necessária uma catástrofe para que se desvie o olhar do correr complacente do rio. Mas não foi assim com a Tangência. Fa Tchu Min, poderoso Senhor de exércitos e cavalos, decidiu, aos trinta anos de idade, depois de uma tarde a esgrimir a sua preciosa espada, percorrer os mesmos caminhos de que nenhum dos contemporâneos se lembrava.
Não há registo das razões que levaram Fa Tchu Min a abandonar o aconchego de um lar poderoso para se dedicar à via zelosa do espírito e da indolência. Fora Fa Tchu Min um homem de letras e teria escrito pesados volumes de poderosa argumentação. Mas a potência dos dias tinha-lhe legado artes menos sublimes e de difícil entendimento. Logrou por isso - o, quiçá, mais envolvente dos arautos da Tangência - inscrever na sua mente e perante o obtuso desconhecimento de todos os que o rodeavam e seguiam, a mais completa e elaborada corporização do Princípio da Tangência.
Só no século XIX há notícia de outro caso de competência semelhante ter ocorrido, desta vez num indivíduo de origem e nome desconhecidos que, a partir do nada e de nenhuma evidência, construiu - se assim se pode dizer - a derradeira das versões do Princípio da Tangência. Vários estudiosos se têm dedicado nas últimas décadas a tentar identificar esta estranha e oculta personagem, no intuito de melhor a revelar aos olhos do nosso tempo. Mas tudo indica que terão de passar alguns séculos para que ele possa ter um nome.
Artur Torrado