sábado, dezembro 16, 2006

Pérolas (XXVI)

Nada como o natal para nos aproximar dos que gostamos.

segunda-feira, dezembro 11, 2006

Pérolas (XXV)

Fico na dúvida se é um 'blogue' ou um brilhante manual de sociologia.

quarta-feira, dezembro 06, 2006

Repetição


O meu prazer é a rotina.
Em cada dia é completamente claro o meu percurso.
Todos os dias, todos os meses, todas as estações, todos os anos.
Pego na minha carga e subo a montanha.
Faço o meu esforço diário quase com prazer.
E é um prazer chegar lá cima e aliviar o corpo.
Delicia-me então o efeito majestoso da pedra a rolar violenta pela encosta reduzindo de novo a zero o meu trabalho.
Nunca me desilude este meu caminho.

Falam-me do aborrecimento, da monotonia de fazer sempre o mesmo gesto.
Dizem que o meu viver é absurdo.
Condenam na origem a minha aceitação do castigo.
Negam a humanidade do meu processo.

E eu não sei que palavras usar para me defender, sem ferir a felicidade imensa que vejo brilhar nos olhos dos outros que, ao contrário de mim, não se enredam na simplicidade da rotina nem na vastidão do absurdo.

Fico a olhar cheio de esperança, convencido que estou da inutilidade do meu método, para a bonomia ardente das vidas envoltas na atraente pirotecnia da diversidade industrial.

Agrada-me vê-los.
Perceber as estratégias que usam para ludibriar o destino.
Encontrar aqueles movimentos bruscos que dão sentido às suas vidas irredutíveis.
Aperceber-me dos jogos com que se confrontam para estarem confortáveis.
Ver de longe as piruetas que fazem para se sentirem vivos e actuantes.

Talvez sejam excessos da minha rotina, estes movimentos de voyeur sobre os meus vizinhos felizes.

Não me lembro quando deixei de procurar contentamento.
Antes ou depois de condenado, não sei.
Escondeu-se da memória como os outros propósitos de ser.
Ilustrar cada dia como exemplo passou a ser o único horizonte.
Uma derrota conseguida com investimentos brutais.

Não sei como dizê-lo.
Não sei como afrontar o meu sentimento imediato.
Não me ocorrem as palavras ao mesmo tempo necessárias e suficientes.
Quem estaria na disposição de concentrar a atenção num disco riscado de evidência?
Quem acolheria uma frase que não picasse, de alguma forma, as entranhas?
Quem daria atenção a um gesto que não ostentasse potência?
Quem olharia duas vezes para um rosto sem marcas de escândalo?
Quantos contariam os batimentos suaves dos que não contam?

Nesta montanha há muitos caminhos e todos se chamam difíceis.
Uns sobem, outros descem e outros destroem.
Os antigos diziam não haver nenhum caminho fora desta montanha.
Eu não sei.
Não tenho nenhuma fé.


Sísifo

terça-feira, dezembro 05, 2006

Névoa

Na pior das hipóteses um castelo. Paredes grossas, resistentes, perenes. Pensamento claramente estático e impassível. Capacidade de previsão inútil a longo prazo. Imponente como um sonho, penoso como um pesadelo. Cheio de palavras e inconsciente dos perigos.
Na pior das hipóteses um castelo. Tinha que ter dito as coisas certas como quem põe pedra sobre pedra. Uma ilusão que dure o tempo de se formar cristal. A palavra chega então definitiva, pura das limalhas, forma perfeita para rolar sobre o chão liso.
Havia um perfume para os gestos. Para que nada soasse a falso e para que os dedos se adaptassem sem esforço ao teclado. Batem leve, levemente, os dedos. De cada som inútil saem imperfeições acústicas a custo zero. É apenas um ensaio. Na pior das hipóteses um castelo.
No olhar para a violência dos espaços formam-se humidades relativas que limitam a clareza e isolam o pensamento. A limpidez que havia sido estimada pelas estatísticas sofisticadas, embrumou-se na berma sensível da emoção. Na pior das hipóteses um castelo.
Toquei ontem com dedos hesitantes a lua. Pendente no bolso esquerdo da sobre-casaca, um fio de linho trouxe do passado o pormenor da divindade. Todos os dias defino a prudência como lei. Todos os dias crio novos deuses. Todos os dias renego a fé.
Sobre a mesa a chávena fumega restos de café. No hálito o sabor já é uma saudade. O que ainda está à vista já não é. Do espaço chegam imagens de astros como eram há milhares de anos. Os fotões viajaram anos-luz sem se esquecerem de onde vinham, um trajecto de infinita solidão na esperança de encontrar um olhar. O que me chega já não é, e tento acreditar que a luz fiel não me mente.
A divindade pergunta: que mais faz? Porque será uma ilusão melhor do que outra? Porquê tomar partido entre dois valores igualmente submissos?
É assim que decorre diligente o tempo dos afectos: chamando milagre à ilusão e nomeando ilusão a verdade. Por aproximações sucessivas. Por afastamentos meticulosos. O fio de linho a quebrar-se aqui e a enrolar-se ali sem convicção nem empenho, sem valor nem rendimento.
Na pior das hipóteses um castelo. Irredutível e veemente. Arremedo de vitória, conspiração telúrica, formalismo, puro formalismo.
Mas, contraditório, vem o desejo difamar a presunção e reduzir a pó as retenções na fonte. Movimento larvar da história a configurar os genes para oscilarem permanentemente entre o dever e o haver.

Prólogo