domingo, janeiro 18, 2009

Desatracado

O Miguel Esteves Cardoso tem andado a escrever no Público. Eu até do Público já desatraquei mas hoje cruzei-me com este...


domingo, janeiro 04, 2009

Novecentos e catorze ponto um

Ontem, para entrar no espírito proposto pelo Presidente da República, fui à oficina do técnico especialista em recuperação de sapatos e outros cabedais, acrescentar mais dois furos em cada um dos meus dois cintos. Disse-me ele, equipado do seu livro de estatísticas, que naquela última hora eu era o quarto cliente a pedir aquele serviço. É uma coisa que me sabe sempre bem, sentir que estou na onda. O importante é que já tenho os cintos preparados para o que der e vier, o que faz de mim um homem prevenido e etc. No essencial sinto-me bem por fazer parte da solução para a enorme quantidade de problemas que o ano promete. Para mim os problemas são os mesmos de sempre. Aparentemente não perdi nada na bolsa mas sei que os que perderam vão ter de vir ao meu bolso recuperar. É a lei da vida. Ok. O ano passado também foi assim. Quando não são os bancos são as cadeiras. O ano de 2009 vai ter problemas de bancos e de cadeiras. Uns transitam outros são transitórios mas apetecíveis. Tudo é essencialmente transitório e já que aqui estamos aproveitemos os lugares que põem à nossa disposição. Servindo o país. Ficando bem na fotografia. Até porque não há alternativa: ou comemos ou somos comidos. A ambição humana de ter um plasma é perfeitamente compatível com a de ser autarca e mais ainda deputado. As necessidades do dia-a-dia passam por equilibrar o que esperamos de nós com o que os outros esperam. E se ficarmos a ganhar fica tudo bem. Eu ainda não tenho um plasma mas hei-de ter nem que tenha de ir a um desses concursos da televisão que reduzem a fome e a sede a tanta gente. Não, isto não é uma ameaça. Se eu fosse um pouco mais culto já lá tinha ido. Mas há sempre umas perguntas que me escapam e além disso sou muito nervoso e tenho as reacções muito lentas. Na televisão temos que estar à altura dos acontecimentos, que acontecem, como todos sabemos, num abrir e fechar de olhos. Como é fácil de perceber eu preocupo-me com o essencial. Na verdade nunca deu tempo para me preocupar com mais do que isso. Mas já deu para perceber que nem todos temos a mesma noção de essencial. E isso cria embaraços diplomáticos terríveis. Há quem diga que a culpa é das hormonas. E há quem diga que é das mães. Os cientistas destas coisas, eles próprios, não se entendem sobre o que é essencial. Haverá certamente um especialista a dizer que o essencial é que haja diversidade de essenciais. O que acaba por defender as coisas tal e qual são: uns para comer e outros para serem comidos. Geralmente é uma teoria que cai muito bem a quem come. E, mais importante ainda, só há pachorra para fazer teoria quando se tem a barriguinha cheia, o que leva a concluir que os que são comidos não têm oportunidade para chegar a fazer teorias. Os filhos dos que são comidos às vezes enchem-se de brios e resolvem ir estudar para mudar as coisas. Mas mal têm o canudo na mão ficam com outras prioridades - e sinceramente ninguém lhes pode levar a mal o habituarem-se a comer. Com teoria ou sem ela mais e mais pessoas estão convencidas que vivemos no melhor dos mundos possíveis. Há que aguentar. Em Portugal há dois partidos que de vez em quando conseguem ser governo. São muito parecidos e suponho que até poderiam ter recursos partilhados porque já se sabe que quando não está lá um, está lá o outro. Por definição cada um deles acha horrível o que o outro faz quando é poder e vice-versa, mas nem à lupa se conseguem distinguir. Acompanham o tempo e, depois de a seguir ao 25 de Abril serem do mais esquerdista que havia, são agora tão à direita quando possível até não parecer muito mal. Para além de isso de direita e esquerda ser uma treta francesa que já não pega: as estruturas de poder são sempre de direita e ponto final. Além destes partidos e dos seus empenhados militantes há mais meia dúzia de outros partidos que por saberem que estão inexoravelmente afastados da área do poder, são a favor do quanto pior melhor. Mais descontentamento e mais um lugarzinho no parlamento. Como não podem dar nada oferecem tudo e têm sempre soluções extraordinárias para os problemazinhos particulares em que se empenham. Por muito que custe a acreditar, todos estes partidos, grandes e pequenos, são constituídos superiormente por pessoas que estudaram muito, se formaram e reformaram, e digamos assim, constituem a 'nata' da nossa sociedade. Não era nada disto que eu queria dizer. Era mesmo só para falar dos novos furos dos meus cintos.

Torcato Matos