Anda demasiada gente preocupada em salvar-me.
Todos os dias, todas as horas.
Na televisão, no telefone, na internet, na rua, nos transportes públicos.
No alto dos montes, nos mosteiros, nas esquadras da polícia, nas assembleias municipais.
Nos governos, nas universidades, nos hospitais e nas clínicas.
Na padaria, no café, no trabalho, nas reuniões de condomínio.
Nas igrejas, nos santuários, nas plataformas petrolíferas, nas minas de ouro e nos bares de alterne.
Nos campos de futebol, nas grandes superfícies, nos tribunais e nas prisões.
Na praia, no campo, na neve, no hotel e no campo de golfe.
No cinema, no teatro, no circo, no museu, no estacionamento subterrâneo.
No elevador, no restaurante, no jardim, no cemitério.
Em todo o lado encontro uma multidão disposta a tudo para me salvar.
Choram por mim, rezam por mim, chamam por mim, preocupam-se comigo.
Não dou um passo que não sinta este enorme calor humano.
A cada esquina uma vestimenta diferente a saudar o meu futuro.
O médico, o curandeiro, o psicanalista, o gestor de conta.
A florista, o padre, a massagista e o coveiro.
O padeiro, o carteiro, o criativo, o taxista, o guarda e o agente de seguros.
O pintor, o barbeiro, a secretária, a porteira, o técnico de contas, o advogado.
A madame, o veterinário, o assessor, a telefonista e o amante dela.
O cantor, o artista, a malabarista, o escritor e o toureiro.
O monge, a freira, o eremita, o quiroprático e o arquitecto.
Que fumo, que bebo, que ando depressa, que não respeito os sinais.
Que me visto mal, que vejo mal, que escrevo mal, que cheiro mal.
Que não dou, que não tenho, que não recebo, que não calculo, que não creio.
Que não sonho, que não penso, que não sei, que não ouvi, que não comprei.
Que não durmo, que não voo, que não acalmo, que não me mexo, que não compreendo.
Que não venço, que não lucro, que não mando, que não apareço, que não quero.
Que me esqueço, que ignoro, que sofro, que perco, que desprezo.
Que fujo, que saio, que erro, que calo, que não existo.
Juntos ou em separado, fazem tudo por mim.
Pensam em mim o tempo todo.
Nada mais os comove que a minha salvação.
E fazem da sua vida um monumento a meu favor.
Acotovelam-se para serem os primeiros a salvarem-me.
Salvar-me é o seu propósito, a sua missão.
Alguns não me incomodam porque percebi que mais não querem que os trocos que ainda tenho no bolso.
Mas há outros que para me salvar estão dispostos a matar-me.
quinta-feira, dezembro 06, 2007
Fé
zunido por Artur Torrado at 10:41 da tarde
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3 comentários:
Já o Fundador alertou para os perigos do "furor curandi"...
não acredito que te deixes salvar.
... e o que é a salvação?
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