segunda-feira, dezembro 10, 2007

Postdezanove

Faz muitos anos, já não sei quantos, que fomos uma noite para a Fonte da Telha, fugindo à luz da cidade, ver uma chuva de estrelas. Diziam que seria a maior de sempre - coisa nunca vista - a Terra a atravessar, no seu percurso celeste, uma zona densamente povoada com os restos da formação do sistema solar. E esperávamos vê-los morrer queimados ao atravessarem a nosso protectora atmosfera. Faz muitos anos.

Lembrei-me hoje quando vinha do trabalho. Por que no céu limpo e iluminado, enquanto conduzia, consegui ver um inesperado traço de luz.

Naquela noite, há muitos anos, a ânsia de ver já nos fazia ver riscos onde eles não estavam. Eram necessários para que se justificasse o nosso incómodo. Tínhamos que ter uma qualquer recordação do dia em que tentámos ter alguma recordação. Tínhamos andado dezenas de quilómetros numa noite que não tinha nada de especial a não ser essa manifestação a céu, a substituir-se ao letárgico andar dos dias.

Hoje, talvez por tantos anos, não me lembro se cheguei a ver alguma estrela. Não me lembro se a desilusão foi apenas por as estrelas terem faltado ou por já não haver estrelas para além das estrelas que esperávamos. Mas lembro-me de uma desilusão. Também não me lembro se no teu esforço de não dar por perdido um serão terás visto alguma estrela ou apenas a vontade de ver uma estrela.

Lembrei-me hoje, ao ver, sem as condições ideais da Fonte da Telha, sem aquela escuridão proverbial que permite ver sem o ruído da luz, o fogacho instantâneo de um meteorito a atravessar pressuroso o horizonte ligeiramente acima dos candeeiros da estrada.

Fomos muito longe naquela noite. Os riscos luminosos tinham sido prometidos para a distância do lado de lá do rio e vinham de fora, do espaço, da distância absurda do espaço.

Nessa altura, há muitos anos portanto, enquanto nos deslocávamos para o lugar das promessas, lembrei-me de muitos anos atrás quando eu gostava de me deitar na mesa do quintal, nas noites de verão, a olhar para o céu, por entre as frestas escuras das árvores. Terá sido aí que, por acaso, vi a minha primeira estrela cadente. E foi por ela que lá voltei muitas e muitas noites, à espera que se repetisse a aparição, enquanto a minha mãe não dizia, parando por momento a máquina de costura, que eram horas de ir dormir.

Lembrei-me hoje, por acaso, por ter visto aquele rasto de luz insignificante.

Regressámos ao carro calados. Eu estava preocupado por ter deixado o Uno estacionado à beira da estrada, caindo perigosamente para a berma de areia. Eles tinha prometido uma chuva de estrelas. Talvez elas chegassem mais tarde. Mas no dia seguinte tínhamos que trabalhar e temíamos as filas de trânsito de tantos que, como nós, tinham ido à procura de sinais do céu.

Muitos anos antes eu teria ficado à espera a noite toda, ou até que alguém mais forte me mandasse para a cama. Nessa altura ainda não sabia quem eram aquelas misteriosas viajantes. Apenas sabia que havia homens que há pouco tempo tinham viajado para a Lua e lá tinham deixado pegadas. Tinha lido no jornal que pelo espaço poderíamos andar continuamente, sempre e sempre, e haveria sempre espaço para andar. E era essa surpresa que eu procurava apanhar, deitado em cima da mesa do quintal, olhando fixamente os pontos cintilantes a distâncias que eu não sabia contar.

Não foi nessa noite que vimos estrelas cadentes. Nem depois. Estranhamente não voltámos a conseguir vê-las em nenhum lado. Como víramos no princípio. Depois deixámos de frequentar o frio da noite por não haver tempo para ficar à espera do acaso.


Aibieme

3 comentários:

Mónica disse...

se esse há mtos anos é o mesmo que o meu, fomos para o fojo do lobo com a garantia de não haver electricidade à vista.piquenique, fogueira e cobertores que a noite era fria. não me lembro se vi alguma coisa no céu.

anos mais tarde repetimos a proeza no mm lugar. a nossa companhia era outra e levamos um telescópio (do meu descontentamento). desta vez garanto que me lembro que não vimos nada no céu.

tou farta que me levem a ver estrelas no céu e que me atirem prós olhos poeiras de estrelas

:P

Mónica disse...

vá lá admite q tu tb!

K disse...

As estrelas propriamente ditas estão sempre lá. As que permanecem. Gosto mais dessas que as cadentes. Sei que me posso deleitar com a beleza delas, lá longe, sempre que eu quiser e que a luz da noite me permitir. Posso escolher uma especifica, sozinho ou acompanhado, e tê-la ali no céu, como a marca de um momento ou de uma pessoa.
As cadentes são passageiras... Cativam a vista por correrem para nós, por atravessarem a nossa atmosfera. Mas, ou por culpa da nossa atmosfera ou por culpa da sua frágil natureza, o fogo extingue-se e o brilho apaga-se. E a estrela morre.