Como vês não acontecem muitas coisas na nossa ausência. Os estados de ser ou de não-ser anulam-se, e tudo é varrido no mesmo efeito de memória apagada. O facto é que, depois de termos estado num lugar, já não somos os mesmos. Mesmo que, pelo artificio raivoso do esquecimento, não saibamos porquê. Só confrontados com a crença e com insólitos testemunhos podemos ousar discutir o efeito pragmático do tempo.
Se eu acreditasse em qualquer coisa, mesmo que fosse em paradoxos, poderia distrair-me a encontrar correlações difusas entre causas e efeitos, ou entre razões e emoções, ou mesmo entre factos e desejos. Mas sei - fiquei entretanto a saber - que o que quer que procuremos só terá valor se o não encontrarmos.
Acordar todos os dias com o vazio a enrolar as mãos, acaba por tornar muito importantes pequenos sinais que se insinuam no tremelicar das pálpebras.
Há navios que se movem no propósito de chegar a lugares comuns. Há outros que percebem no caminho os bons ventos e avistam na distância o sucesso da empresa. Mas também há os que andam à deriva, sabendo ou não de existirem portos seguros, sempre ignorantes do vigoroso manejo do leme.
No essencial há um momento em que se percebe que a justiça é uma construção. Frágil e retorcido programa de actividades, muito palavroso, muito livresco, muito retórico. No essencial há um momento em que se percebe que a justiça é uma coisa que nunca é como deveria ser: é uma ideia muito cerimoniosa e volúvel. Ainda assim melhor que nenhuma. Uma deriva entre continentes que não se querem perder.
É sempre esse o problema: perder. Nenhum gesto é feito sem que se contabilizem as perdas e ganhos. Mais que tudo as perdas. E quando assim não é criam-se lugares fechados para os esconder. É por isso que a justiça e a verdade - e outras que tais - são ainda e sempre vestígios dourados de uma fundamental lei da selva.
Não acontece mesmo nada na nossa ausência. Passam as mesmas pessoas pelos mesmos caminhos com as mesmas expressões de amarelada contingência, vogando nos cérebros intenções vorazes. O alimento é dos que não perdem. Dos que contam os grãos que se podem arrecadar até à morte e, se possível, derivar pela corrente sanguínea das gerações.
Nem tudo será assim hermético. Nesta quase-escolha que se faz de como ir, aparecem por vezes ilusões a perturbar-nos a probabilidade. Suponho que, como o pássaro que bica nervoso a inesperada semente, a única saída é entrar no jogo e, se for caso disso, morrer nele, asfixiado em drama. Uma roleta russa que tem como única moral o acaso. Justa, portanto.
2 comentários:
já não se usa morrer asfixiado em drama, o mais correcto será morrer asfixiado em dividas, que as consultas dos psicólogos estão que nem sei.
Aconselho vivamente morrer asfixiado por uns braços meigos que apertem até ao fim, sem pudores, mágoas escondidas e desamores passados
É que o cena do drama baratuxo é demasiado cliche, se é que me entendes.
Toma beijo que há muito que não te osculo
gosto mais da fotografia: dois elementos, um deles presumo infinito e outro geométrico, há maior beleza?
há, mas esta tb é!
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