segunda-feira, maio 26, 2008

Semântica

Postar um poste que não seja um queixume que se queixe disto e daquilo e do que não tendo acontecido se perdeu na possibilidade impossível, é postar um poste vestido da cínica tradição de não contar contos que contem.

Falamos por falar mas antes de falarmos queremos dizer como é que queríamos que as coisas fossem se fossem como nós queríamos.

O círculo é o único lugar habitável. Ir e vir, e voltar ao lugar onde se voltou uma e outra vez e encontrar diferenças diferentes das diferenças que antes havia, e nas semelhanças diagnosticar paragens do tempo ou verdades universais, coisas iguais a tantas outras que já tínhamos visto e revisto vezes sem conta, e voltando ao princípio pensar no círculo como o lugar onde algures se encontra o centro, esse sim, lugar perfeito de voz activa que não se dispersa em contradições nem revoluções nem outras omissões. Ir e voltar e voltar a ir e não ver que o que já se viu é sempre o mesmo mas mesmo assim acreditar que há diferenças entre as coisas e aquelas que são mais iguais que as diferenças que não se encontram. Tudo no centro de um círculo fechado à estranheza de saber disto e daquilo e não dar sentido à seta do tempo nem ao tempo consentido.

O medo, a existir, está na fronteira ou, de melhor forma ainda, é fronteira o lugar onde está o medo. Num círculo o medo chama-se circunferência e está sempre à volta equidistante do centro de gravidade ou da gravidade do centro. E nada mete mais medo do que o medo. E sendo um circunferência um medo específico de um centro que nunca mede as distâncias, é no círculo obrigatoriamente fechado que ressoa todos os dias o eco de gritos que pairam no ar oculto da geometria variável.

Sair de dentro e entrar para fora, rodar sobre um eixo de desvio infinito, voar rente à superfície de um planeta morto de tédio ou de vergonha ou de ambas as coisas sopradas pela deusa da verdade. Voltar e ir, regressar ao passado sem presentes para oferecer à falibilidade dos adivinhos, e os ouvidos sempre atentos às cantigas de amigos que entretanto se ausentaram para parte incerta. Não vale a pena ter pena de não ter pena. Mesmo que se tenha pena de ter pena de coisas que não valem a pena. É tudo um jogo de alfabeto que não sabe cantar nem encantar as estrelas cadentes de dentes afiados por orgulho pátrio. O círculo fecha-se sobre um erro semântico. E o erro está sempre no lado de lá, no desvio consentido pela desatenção de um instante em que o amor-próprio foi mais rápido que a própria sombra do guerreiro.

Associação de ideias, associação de ideais, associação de idiomas, grémio planetário, ONG de génios, ONG de governantes desgovernados. Não adianta queixar-nos dos que podem porque o poder é estar imune aos queixumes. É na margem, na circunferência de medo que acontecem as coisas, os factos irrelevantes que se fazem mundo, outro mundo, outro sabor, outro caso perdido por cem e por mil e uma noites. Em tempos encontrava-se a salvação na literatura, na inércia própria de um livro que parecia dizer a verdade de uma maneira suficientemente baça para parecer um segredo. Coisas que se diziam boca a boca, beijo a beijo, mão a mão, cara a cara. E não foi assim há tanto tempo. Mas de nada valem essas coisas que se esquecem e perdem sentido com o passar dos dias e das noites, da força e do peso, da arma e do sono, da lama e do vento. No fim de cada pensamento está sempre outro inquieto de esperanças, disfarçadas de certezas, ocultas de espanto, moldado no desejo, dorido de espera, barrada pela culpa, formada no berço, embalado pela mão, fechada de força, armada de sonho, pensado na claridade do dia.

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