domingo, junho 29, 2008

O Fim (parte 1)

Está aí alguém? Não sei se já repararam mas este blogue acabou. Finou-se. É um bocado pretensioso dizê-lo, mas não mais pretensioso do que escrever num blogue. E é tanto mais pretensioso quando em vez de acabar simplesmente, dizendo adeus ou dizendo nada, se aventura numa prosa de meta-linguagem para demonstrar a ilegibilidade do pretensiosismo. É assim que as coisas acabam. Começam no princípio e acabam no fim. O que se passa no entretanto é pouco relevante. Mesmo para uma ilustre figura há-de dizer-se que viveu entre tantos do tantos de mil novecentos e tal e morreu a tantos do tantos de dois mil e tal. O início e o fim rigorosamente marcados, o nascimento e o ocaso. Do ponto de vista moral é um fracasso: uma vida reduzida a duas datas. E um nome. Jogando na improbabilidade de dois nomes iguais nascerem e morrerem em datas iguais. Porque à hora da morte já pouco interessa o nome do pai e o nome da mãe, factores que potenciam uma identificação mais rigorosa antes de chegar o fim. Suponho que a tudo isto pode dar-se o nome de irrelevância, mas não ponho as mão no fogo pela questão. Embora me doa. Claro que dói a irrelevância. Viver é, em última análise, procurar relevância. Mesmo quando não parece. Mesmo na precaridade de um blogue pretensiosamente despretensioso. E a relevância é dada, como nos artigos científicos, pelo número de citações. Se somos citados existimos, se não, somos pura ilusão. E a ilusão, quando reconhecida, não é relevante. Daí me ter surgido esta ideia de irrelevância solidamente construída. Um jogo de forças entre a popularidade entre pares e a pura inexistência. Eu até podia dizer que este discurso não faz sentido mas temos de tirar partido de por momentos sermos uma espécie de donos de um local abandonado. Deriva continental; discurso sobre a falta de discurso; pregar aos peixes. Temos os nosso modelos, comprados nas lojas de conveniência, para aplicar nas situações que os merecem. E aqui, aproveitando o espaço deixado vago pelos ausentes, hei-de dizer da minha justiça sobre a falta de justiça que a justiça tem. Em tempos admiti que era possível a perfeição. Claro que foram tempos difíceis. É sempre difícil admitir seja o que for quando se tem tudo contra e não se tem ao mesmo tempo a cegueira necessária para não ver as evidências. Só muito mais tarde percebi que a perfeição existe mesmo e me tornei capaz de pôr as mãos no fogo por ela. E nem se pode dizer que tenha sido tarde de mais. Há sempre um bocadinho de tempo a tempo de nos agradar. O principal de uma vida é saber vivê-la em segredo. Quando a vida precisa de ser badalada é já outra coisa, ciosa de outros valores, preocupada com as lantejoulas e os brocados e muito dependente das condições ambientais. Não fora essa tal ocultação do particular, essa potência a contrariar a fúria do geral, e já este nosso pequeno mundo estaria reduzido a cinzas. Sim, sim, muito mais do que está. Pregar no deserto é, afinal, o prazer máximo de um humano. Podemos dizer as maiores barbaridades sem que ninguém se sinta ofendido. Podemos dizer as coisas mais belas sem o perigo de um elogio. Podemos até cantar sem o risco de nos convidarem para um programa de rádio. O deserto é o local certo para viver. Mas isto sou eu a falar, entre a pura decadência mental e o desejo natural de sobreviver à tragédia dos dias. Confesso que gostava de não ser egoísta. Nem que fosse um bocadinho, um pequena ocasião qualquer em que me sentisse bem a dar uma coisa que me fizesse falta. Acredito que um dia acontecerá. Pode acontecer, mais não seja por uma questão de probabilidade. Digamos que estou nessa expectativa feliz. Um dia em que, por momentos, a minha preocupação principal não seja eu. Um dia em que, por momentos, me distinga dos meus queridos semelhantes. É que esta coisa de dar tem as suas subtilezas. Imaginando por momentos que o tal Deus existia mesmo, e andava por aí a medir a generosidade das pessoas, e ainda por cima usava isso como classificador de almas, os resultados iam ser muito piores do que os das provas de matemática. Lembro-me sempre da generosidade dos portugueses a descarregarem o lixo que tinham no sótão para doar aos pobres africanos ou timorenses. Lindo. Uma das coisas mais trágicas da humanidade é haver pessoas tão pouco inteligentes que nem são suficientemente inteligentes para perceberem quão pouco inteligentes são. Outra é as pessoas serem tão pouco generosas que não têm a generosidade suficiente para perceber quão pouco generosas são. É fácil perceber que existe uma ligação mais do que ténue entre inteligência e generosidade. (continua... se calhar...)

Torcato Matos

7 comentários:

addiragram disse...

Se eu fosse editora publicava o que escreves...Mas isso era se eu fosse...

Hipatia disse...

hmm...



(está sempre aqui alguém)

Maria do Rosário Sousa Fardilha disse...

Gosto do do fim do título :(parte 1)

abraço, Torcato

Unknown disse...

Addiragram, ainda bem que não és porque senão eras mais uma editora falida. Fico contente por gostares (também adoro as tuas fotografias) e olha, para todos os efeitos, colocar um texto na internet é a forma mais universal de publicação...

Unknown disse...

Hipatia, se tu estás aí já é muito mais do que alguém. Mas, como também sabes, a pergunta é retórica: nunca foi a falta de leitores que parou as palavras.

Unknown disse...

MRF, os fins são coisas complicadas e às vezes parece que nunca mais acabam. O que nos vale é o acaso que vai promovendo novos princípios e novos prólogos. Também te abraço.

Mónica disse...

mais uma vez prova-se que a técnica do adeus resulta: não há blogger que resista a um elogio funebre!

Livra! :D