sábado, setembro 06, 2008

O Fim (parte 6)

Pensavam que tinha acabado, mas enganaram-se. O fim, como bom português, foi de férias em Agosto. E como não teve nenhum acidente na estrada, nem no mar, nem lhe caiu o avião, nem sofreu um assalto violento - um qualquer-coisa-jacking como se diz agora - voltou. Não sou capaz de garantir se o fim está a acabar ou se ainda está no princípio. Há coisas que não somos capazes de dominar. A natureza é, em si, um bocado bruta e não obedece a lógicas muito práticas. Eu limito-me a acompanhar os acontecimentos, a força do vento e a teoria das probabilidades. Deus não joga aos dados com o Universo. Talvez beba uns copos para esquecer a embrulhada que criou mas nada de jogar aos dados. É bom que se perceba que o fim tem sempre algo de transitório. Aí não se distingue das demais ocorrências do universo. Há o princípio, há o meio e há o fim. Cada um com o seu tempo próprio, muito subjectivo e também muito desequilibrado. Apetecia-me chamar a esta prosa de hoje qualquer coisa do tipo: "Fim, o Regresso!". O mês de Setembro tem esta estranha característica de ser o princípio e o fim. E é mais o fim por ser o princípio do que o princípio por ser o fim. O regresso às aulas encheu os hipermercados e as bocas das mães e dos pais. Não há nenhum dinheiro que custe mais a dar do que o que é necessário gastar em livros nesta altura do ano. Não admira que a maioria dos miúdos fique traumatizada: cada vez que tiverem de comprar um livro hão-de sentir esta imprecação paternal. Os livros deveriam ser dados pelo estado já que o tal ensino é obrigatório! O mal é que os livros de estudo não são importados, não vêm com boas marcas estampadas, não são devidamente publicitados na televisão por ídolos da juventude, e , temos de o dizer, são excessivamente baratos. Falta-lhes o brilho de objecto inútil que é padrão de muitas outras coisas. E, last but not the least, destinam-se à coisa mais chata que há: a escola! Também neste sentido Setembro é o fim. Exactamente por ser o princípio. Mas eu não me queria desviar dos meus nobres propósitos de eclipsar com a devida pompa um 'blogue' que teve a dada altura o objectivo de ser o mais popular do meu bairro. Claro que a ideia não era assim tão humilde. Um passo de cada vez. Começa-se pelo andar, depois o prédio, depois a rua, depois o quarteirão, depois o bairro, depois a cidade, etc. Ao que sei chegou a estar entre os cem mais do meu bairro. Não se pode considerar mau no universo dos 'blogues' que estavam desejosos de mudar o mundo. O que não era o caso deste, pelo menos na parte que me toca. Mesmo assim eu mudava o mundo. Mudava algumas coisas para ver se ficava melhor. Um método de tentativas e erros que parece ter sido o de Deus mas um pouco mais ousado, com recurso a mais estatísticas e a mais entrevistas telefónicas. Talvez se conseguisse eliminar o desemprego. Noventa por cento das ofertas de emprego são para "Call centers" e exigem uma razoável dicção. A minha gaguez, o 'sshee sshee' e ler os vês como bês retira-me dessa corrida. Mas estou em condições de preparar as entrevistas e fazer os relatórios. O heróico correio morreu. Felizmente ainda há uns estrangeiros que aprenderam suficiente português para fazerem entregas das cartas dos bancos, dos seguros, do estado e da publicidade. O resto vem por e-mail, mal escrito e mal pensado, mas sempre com os melhores 'comprimentos'. Os telefones já só são usados para mecanismo de controlo. "Onde estás?". "Que estás a fazer?". Comunicar muito para não dizer nada. Por que já está tudo dito. Já todos sabemos o que vai ser dito a seguir e por isso é inútil ouvir a próxima frase. Só por estatística. Estamos todos convergentes para a média. A nova idade média. A idade dos média. Assim tenha tempo vou escrever uma tese sobre este assunto antes que o comentador absoluto Pereira o faça em meu lugar. Estudar é completamente inútil. Comprar livros de estudo também. Seguir o senso oficial é apenas esse enredar no conhecimento médio e sem desvio padrão. É um bom princípio que conduz a um fim médio. E nunca estivemos tão absolutamente confortáveis, nunca as nossas necessidades de consolo foram tão satisfeitas, nunca tivemos tanto pão e tanta manteiga. É certo que nem todos... Mas, digamos, aquela parte do mundo que interessa está bem e recomenda-se. Talvez devamos agradecer a Deus. (continua, se calhar)


Torcato Matos

1 comentário:

Mónica disse...

o Fim parte VI também tá bom :P

o texto tem tantas coisas boas que enumerar é reescrevê-lo