domingo, outubro 19, 2008

O Fim (parte8)

O fim é um assunto interminável. Apesar de inevitável e palpável é interminável. E digo-o com pesar porque queria sair airosamente desta experiência macabra e não consigo. A minha ideia era proporcionar um fim digno a um blogue que nunca foi indigno. Dizer da minha justiça e deixar em paz o moribundo para um repouso eterno. Mas a linguagem é desastrosa. Repouso eterno! Quem pode ficar descansado com o repouso eterno? É angustiante. Passar uma noite em claro já é uma proeza que me ultrapassa. O repouso eterno é mortal! Repousar já é em si destrutivo. Indigno mesmo. Repousar eternamente é ter tudo para nada. Uma eternidade disponível e logo para estar quieto sem mexer uma pálpebra. Éne vezes insuportável. Por mim começava de novo, noutro lugar, noutra latitude, noutra atitude. Assim uma espécie de hipótese de segunda tentativa mas agora a sério. Mas o meu guru - claro que tenho um guru - disse-me, em lamento, que a única tentativa séria é a primeira. O que vem a seguir já é comédia. Um resgate de intenções produzido por simulação em computador. O que não quer dizer que doa menos. Sinto-me obscuro. Hoje não era para ser um bom dia para voltar ao fim, mas como já aqui estou o dia tem que ser bom nem que seja à força. Suponho que o pior é a falta de tema que está a inundar o mercado. Falar da crise para quê? A crise é uma coisa de que se foge, como se foge de tudo o que se sabe que não temos a solução na nossa mão. A espiral da destruição. Alguém, do outro lado do mundo, na sua miséria cada vez mais profunda, há-de pagar a nossa crise com o que lhe resta de sangue. É esta a lei desde o início dos tempos, e mais ainda desde que alguns homens começaram a acreditar que eram mais homens que outros e usaram a força para o mostrar. Uma veste especial e aí temos alguém capaz de determinar o destino de quem não tem uma veste especial. Um tubo metálico na mão e aí temos alguém capaz de se impor a quem não tem um tubo metálico na mão. Tudo por causa da crise. Crise de água, crise de fruta, crise de carne, crise de sexo, crise de frio, crise de terra, crise de dinheiro, crise de poder, crise de medo, crise de sonho, crise de afecto, crise económica, crise de tempo, crise de nervos. Eu tive uma fazenda em África. Agora tenho um partido que zela pelos meus interesses aquém e além mar. É uma maldade dizer estas coisas depois de jantar, com a barriguinha cheia, as luzes de baixo consumo bem acesas e a televisão a debitar um concurso de perguntas fáceis e respostas difíceis, ou um programa de anedotas inteligentes patrocinadas por uma ou mais multinacionais. Amemos a gravata. Acima de tudo a gravata. Onde há uma gravata há felicidade. Onde há muitas gravatas há muita felicidade. O meu reino por uma gravata. Como símbolo não está mal e o nosso tempo, exemplar, é um tempo de símbolos, de verdades irrefutáveis. Como se pode ver, ouvir e ler, o fim tem as suas naturais contradições. O fim de uns é um excelente começo para outros. Abutres e hienas, para não falar de vermes menos evidentes, são dedicados apreciadores de bons fins. Ainda por cima as hienas riem. Embora não se saiba porquê. A ideia do fim é, portanto, gerar novos princípios. Regenerar. Reciclar. Reutilizar. Colocar no ciclo natural os restos mortais do ciclo anterior, dando à eternidade o aspecto simbólico da cobra que engole a própria cauda. Ficamos assim purificados de todas as más intenções que antes do fim alimentámos: gestos e gestos de ansiedade reduzidos a fuel de novas experiências. Reencarnação sistemática dos resíduos através de transformações químicas muito simples. E água, água, água, muita água. No fim a terra há-de ser um bloco de ferro incapaz de se transformar noutra coisa qualquer. A não ser que aconteça alguma catástrofe. (continua... se calhar)

Torcato Matos

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