terça-feira, dezembro 02, 2008

O Fim (parte 9)

As coisas não acabam quando queremos. Embora possam acabar porque queremos. A maior parte das vezes quando damos conta já tinham acabado bem antes e apenas não nos apercebemos por causa da inércia própria dos corpos. O mesmo se passa com os inícios: muitas vezes quando nos apercebemos que uma coisa começou ela já vai bem adiantada. Quando o rebento aparece ao cimo da terra já houve muito trabalho subterrâneo. Por isso o fim, que se supõe um momento, acaba por ser indeterminado e não observável. Talvez um caso para aplicar a teoria dos limites. E sabemos como os limites são, eles próprios, incompreensíveis. Mas não, não estou a falar da MFL e dos seus lapsos de linguagem, ou do seu piloto automático. Quem ainda se lembra da MFL que confrontou e deu origem à expressão da geração rasca? Eu não me lembro, apesar de fazer parte dessa gloriosa geração. Porque o essencial é o esquecimento. As coisas vão passando e a memória vai sendo dissolvida em ácido, dando uma vaga ideia de fim. Nunca um fim definitivo porque a memória não se lembra do que foi antes e jamais comemorará factos que não aconteceram. Constata-se o fim das coisas que ainda não acabaram ou daquelas que nunca existiram. Tipo: antigamente é que era bom; antigamente é que havia respeitinho; antigamente é que havia ordem; antigamente é que havia gente com valor. Fins e mais fins, uns atrás dos outros a definir a textura sistemática da história. O peixe pescado cresce uns centímetros todos os anos. Continua a crescer depois de comido. A fazenda em África é cada vez mais o paraíso de uma época que derrotou a humanidade. É impressionante como quase nada muda realmente: passam os anos, passam as décadas, passam os séculos e a vaidosa irracionalidade mantém o seu império totalitário. Um pouco menos de arrogância e ambição e talvez se fizesse um espaço habitável. Não sei bem para quê. Era só uma ideia. Decididamente é uma perda de tempo continuar à procura do fim. O fim está entre nós. Não é bem um monstro, é mais um salvador. O fim desliga a tomada no momento em que o adversário vai marcar um golo. Tirando isso não serve para mais nada. Ou para escrever textos quando não há expiração. O que ajuda a provar a inutilidade. É uma delícia poder dizer disparates impunemente. Por mim vou dedicar-me à análise política. É uma forma idêntica de dizer barbaridades e há sempre a hipótese de alguém reparar em nós e achar que a nossa 'performance' justifica aparecer na televisão - a glória suprema! Uma postura cínica, falar de dez mil mortos com a mesma candura com que se fala de bolo de chocolate; não esquecer de chamar Exmo Senhor Doutor mesmo pensando que é um filho-da-p*** da pior espécie, certezas aos molhos, muita indignação com o aumento dos preços e muita solidariedade com os pobres e com os desempregados (mas só aqueles que são verdadeiros desempregados e não com aqueles que, obviamente, não querem trabalhar, como muito bem se sabe no banco de portugal). Ah! e com as crianças também. Vejo o meu futuro como 'opinion maker' envolto em brilhos vários e sucesso. Sucesso é que é. Quanto ao fim o melhor é esquecer. Cada um de nós encontra o seu fim merecido uma vez na vida, o que nivela, por uma vez também, o delicado desejo de diferença. Em princípio um fim é um bom princípio e um bom fim é, por princípio, um fim bom. (O fim, pelo menos este, não continua).

*** Os asteriscos não são 'pis' de pudor, são apenas para evitar que através dos motores de busca aqui venham ter filhos-da-p*** que andam à procura de filhos-da-p***.

1 comentário:

Mónica disse...

"Ou para escrever textos quando não há expiração"
"expiração" não compreendo, subtilezas acima da média :PpPpP