Estamos mal de adjectivos. Há falta. Nota-se que a procura excede a oferta e, num certo sentido, pode mesmo falar-se em crise. Hoje em dia é difícil encontrar um bom adjectivo. Passam-se semanas sem que apareça um que nos faça olhar duas vezes. Mesmo aqueles que eram considerados adjectivos caros, passaram a ser usados no dia a dia e perderam o valor e o interesse. Gastaram-se. Eu já nem sei, quando me apercebo que estão a usar um adjectivo assim para o pesadote, se estão a adjectivar ou se estão a gozar comigo. Provavelmente é uma questão de gradação. Talvez haja falta de níveis (falta de nível há de certeza). Talvez o problema não esteja no adjectivo mas na força com que é usado. Que fazer quando uma frase, uma simples frase, escrita às três pancadas e deixada a correr num texto de prosa taxada à sílaba, pode ser apelidada de extraordinária? Suponho que não se pode fazer nada. Tem que se esperar que a poeira assente e a ganga hiperbólica se gaste com as múltiplas lavagens. Mas por enquanto há que aguentar. Parece que vivemos no topo do mundo. Tudo o que acontece, mesmo que banal, e temos que reconhecer que à vista desarmada é tudo banal, é adjectivado com o topo de gama da adjectivação. Nem seria mau se fosse por brincadeira. Se fosse uma sofisticada ironia (eu leio sempre como se fosse uma sofisticada ironia para me proteger dos efeitos secundários depressivos). Mas o colosso hoje pode não passar de um miserável engano sobre multidões. Um vermezinho que consiga o olhar simultâneo de uma multidão hipnotizada, é um monstro mediático. Como não há muitas coisas a serem propriamente alguma coisa que valha, há que adjectivá-las superlativamente para que passem a existir nos intervalos do seu próprio vazio. Daí o consumo excessivo de adjectivos. Daí a falta. Daí a sensação de irrealidade quotidiana de que já há uns anos o Eco fazia eco. Tive um amigo, que talvez ainda tenha se não se perdeu num comparativo de superioridade, que todas as vezes que me encontrava tinha para contar a melhor anedota que alguma vez ouvira. Como ele estava adiantado no tempo. Este agora é um tempo em que temos que viver aos saltinhos, com gritinhos de prazer à mistura. Cada momento superlativo do anterior.
Suponho que uma das razões para a crise de adjectivos é a proliferação de jornais gratuitos: muito em breve já ninguém estará disposto a pagar por um bom adjectivo, confundido pela mata densa de adjectivos menores. Soube há pouco que das redacções do Público e da Bola vão sair, até ao fim do ano, as notícias necessárias e suficientes para um novo gratuito. Não querendo deixar de colaborar em tão benemérita empresa, proponho daqui, para escolha de quem de direito, que o novo jornal se chame Bola Com Creme ou Público Embolado...
Ikivuku
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