quinta-feira, julho 10, 2008

O Fim (parte 4)

É meu desejo manter-me dentro da temática que interessa. Meu desejo e meu propósito. Talvez mais propósito que desejo. É que pode dar a impressão que esta dissertação não tem um projecto bem definido. E eu quero tudo menos dar impressões erradas que eventualmente levem a pensar em pensamentos desviantes. O tema, de um ponto de vista de profundidade, é a oportunidade - ou oportunismo - de nos equilibrarmos sobre os ombros de gigantes sem chegarmos a corar. Para todos os efeitos sou a favor. Mal seria se não fosse pois teria que renegar uma parte significativa da minha vida, eventualmente toda a parte significativa da minha vida. Mas não é este o lugar para apreciar esse pensamento e derivar dele as inúmeras consequências éticas e morais. Interessa, sim, não me afastar demasiado do que é importante. Quando nos propomos relatar ao mundo a verdade, só a verdade e nada mais do que a verdade, devemos analisar com muito cuidado toda a informação que passamos. Há quem diga que 'a verdade é só uma' o que faz dela uma espécie de cúmulo da raridade. Por muito que digamos que não há dois objectos iguais ou que dois grãos de areia nunca são iguais ou o que quer que seja do mesmo género, sabemos que para efeitos de classificação apenas olhamos para as características mais relevantes, deixando os pós e as teias de aranha para uma segunda oportunidade de classificação mais fina. É portanto, e aqui está um objectivo mais profundo, uma questão de 'zoom': olhamos de acordo com a lente que usamos. A mim basta-me uma verdade rudimentar, tipo pronto-a-vestir, eventualmente de marca branca sem nada de muito elaborado. Pessoas mais exigentes chegam a querer uma verdade com certificado ISO 9001, ou mesmo uma homologação por instituto credenciado. Não tenhamos ilusões: a maioria das verdades são fabricadas na China por jovens que trabalham 16 horas por dia sem direito a folga e que ficam muito felizes com o nível de vida que assim conseguem. Nenhum consumidor de verdade precisa, portanto, de sentir qualquer espécie de culpa, uma vez que está a contribuir largamente para o aumento da felicidade de uma significativa fracção da humanidade. São gestos destes que fazem do humanismo ocidental o mais ético e o mais bem sucedido da história: levamos a felicidade aos confins do universo. Reparem bem na potência ética de ser accionista de um poço de petróleo no Dubai. Sem sair da minha segura poltrona aqui na minha casa na zona de paisagem protegida da Serra de Sintra, escorre-me dinheiro para o bolso cada vez que um carregamento de nafta nauseabunda chega a uma fábrica de verdade nos arredores de Xangai, para fazer mover motores que ocupam e alegram centenas de jovens promissores de olhos em bico. Babo-me de vaidade desta imparável globalização que muito orgulhosamente iniciámos há mais de quinhentos anos. Mas isto sou eu a tentar dizer alguma coisa mais profunda que ainda não se revelou. Até deverá haver quem se ria do assunto. É esse um dos grande prazeres da humanidade e do humor, duas entidades criadas por Deus no mesmo dia. Por mim rio de flores. Isso mesmo. Pode ser do pólen. Uma reacção alérgica que me faz rir na presença de flores. Rio de flores, portanto. Embora se trate de uma vitória por falta de comparência, está a agradar-me a exclusividade que estou a ter por aqui. Dá um certo ar de propriedade. Um ar de posse. Uma parte significativa da felicidade passa pela posse. Seja lá do que for. Nem é muito condenável que me satisfaça com a posse de um blógue abandonado. O melhor é mesmo viver o dia que amanhã já a história será diferente.


Torcato Matos

2 comentários:

R disse...

Bom texto. Essa das verdades pôs-me a reflectir...

Mónica disse...

pois pois a sério é q dizes as verdades :D

(já parei de olhar o mundo com a mente ocidental, pensa no jovem como se fosses um chinês, o que dirias?)