segunda-feira, setembro 29, 2008

O Fim (parte 7)

Longe de mim a intenção de ser contestatário. Está-me no sangue mas não está em mais lado nenhum. Estou perfeitamente de acordo com o status quo, e para onde virar o mundo virarei eu também. A prática da vida faz-nos sentir a vantagem do sentido prático. A mim, pelo menos, faz. Não que eu seja um pragmático. Na verdade não tem muita importância o que eu sou ou não sou. E pensar desta maneira não tem vantagem alguma. Estou, portanto, devidamente orientado para ser uma pessoa construtiva, naquele sentido em que não tenho intenção de destruir nada. Um colaboracionismo por omissão. Por que, não nos esqueçamos, o que interessa aqui é o fim. O fim, podemos dizê-lo, nasce no princípio. Parece uma tautologia mas prova-se que não é, pela dificuldade que existe em tentar demonstrar. Para mim, um fim sem princípio não é melhor que um princípio sem fim. Fiz as contas. No primeiro dia de aulas a filha da minha prima, nos seus ofuscantes catorze anos, leva com ela 153 euros em livros, 77 euros em material escolar, tudo dentro de uma mochila de 95 euros, vestida com cerca de 370 euros de roupa e adereços de moda, (ainda está calor), falando por um telemóvel de 275 euros (com 43 euros de chamadas e 1.500 mensagens grátis por semana) e 30 euros na carteira para as despesas do dia. Os livros estão caríssimos. Suponho que um dos divertimentos preferidos dos humanos, e até de alguns animais, desde os primórdios da humanidade, é fazer demagogia. Fica bem desde a mais selecta reunião social até à mais tinhosa das tascas, passando pela multifacetada televisão ou pela frondosa imprensa escrita. O que não fica bem num blogue é falar mal da imprensa escrita. Por que um blogue que se prese há-de ser falado um dia, com pompa e circunstância, na imprensa escrita, passando então a existir. Daí que o verdadeiro blogue, aquele que não tem mesmo nada que se possa dizer que não é um blogue como deve ser, é editado por um profissional da imprensa nas horas mais vagas que tem. Demagogia pura, meus senhores. A palavra demagogia é, em si, demagógica: quando falo de demagogia estou garantidamente a fazer demagogia. É das poucas palavras que não tem metalinguagem possível. Um demagogo nunca metalíngua no saco. Sócrates, o filósofo, num dos seus mais famosos diálogos perdidos - que nem o Platão salvou - punha a elevada questão de saber qual era o mais antigo profissional do mundo, se o demagogo, se o chulo (duas profissões muitos mais antigas que aquela que se convencionou chamar a mais velha profissão do mundo). Como o diálogo não se salvou nunca saberemos as conclusões que foram tiradas na época. E agora também não me apetece pensar no assunto. Já em criança a minha professora de português, a primeira por quem me apaixonei, dizia que eu passava muito pela superfície das coisas, tendo muitas ideias - não necessariamente boas - e não levando nenhuma até ao fim, ou, pelo menos, a alguma profundidade. A minha ideia era espalhar sementes pela terra e depois desandar. Um princípio devastador, como podem imaginar. A profundidade é mais conseguida pelo sedentário que pelo nómada e eu não tinha um caminho mas vários e em todos eles muitos obstáculos e contradições. Não valia a pena. Nenhuma pena. Nem de pato nem de Sintra. Há sempre um momento em que chega a estupidez, uma das mais produtivas actividades humanas. A tal professora de português dizia que eu deveria saltar do barco antes de ele se afundar, apesar de o barco ser uma péssima metáfora. Um metáfora enjoativa. E um barco à vela ainda é mais enjoativo. Ondas e mais ondas e a gente a andar sem mexer as pernas nem gastar energia. Que estranho mundo este em que os barcos servem de metáforas. Tudo para que no fim haja um náufrago. O objectivo de qualquer metáfora embarcadiça é gerar um ou mais náufragos, uma apetência sistemática dos mitos e da literatura. Navegar, portanto, tem por objectivo naufragar, mais tarde ou mais cedo. E antes mais cedo que mais tarde. O fim é o naufrágio, meter água por todos os lados, enchendo as gargantas de incapacidade para gritar. (continua... talvez...)

Torcato Matos

2 comentários:

addiragram disse...

Sempre "terrivelmente" bem escrito.

Mónica disse...

contestatário de sangue tá giro, é daqueles q n se mexem, pq n vale a pena. Nenhuma pena. Nem de pato nem de Sintra. Uma leve pena que n te quero para mim, voa, voa q troquei-te por uma caneta