Não me lembro quantas vezes não te disse que o caminho que seguíamos não era o melhor. O que recordo é o silêncio dessas vezes que o não disse porque o som se esgotou na garganta ou porque afinal não sabia que caminho era esse que seguíamos. Recordo também a tua voz a insistir na importância da tua voz e do meu silêncio a reconhecer a importância da tua voz.
Não sobram nestes momentos outras recordações para desassombrar a incerteza que ocupou os dias e me preenche agora a memória. Tinha sobre os meus ombros uma insensatez militante e o espelho devolvia-me um olhar estranhamente pálido e demitido. Eu quis que não fosse como tinha de ser e por isso infringi todas as regras do jogo, quebrei todas as virtudes avulsas da derrota.
Não sei como, ao mover-me ao teu encontro, aceitei perder a face e a vontade, e ainda mais me surpreende, agora, ter regulado o meu impulso para um delicada forma de inexistência. Quis, para além de toda a vontade, não querer. Logrei encontrar em ti, nessa manifestação de medo violento que te fazia, uma antítese do rosto que me fora prometido, mas que uma estranha fé me levava a saber latente.
Não esqueço o teu raro sorriso. Com ele apagavas as horas de angústia que eu supunha infinitas e diluías no morno caldo das ilusões o terror de me saber condenado. Havia na forma como as palavras travestidas percorriam o discurso, um feitiço próprio de sociedade secreta que à margem da cidade constrói um mundo novo, prudente, potente e mágico.
Não sei porque volto agora a estes inúteis pensamentos, quando já tudo se passou para o ramo enigmático das miragens. Deve ser apenas um passeio inofensivo sobre as ocasiões em que a dor venceu todas as possibilidades. Um sorteio inevitável de trajectos que delimitou para mim a pragmática obscuridade a que me acostumei.
Não deixo de pensar que por vezes, como tu disseste depois, tudo estava previamente traçado, e as revistas guardadas nas caixas eram um sinal de estarem prontas para a inevitável partida. Mas eu não sabia. Não teria tido coragem de saber que o que tinha construído não era para sempre. Medo estranho este de querer alguma coisa que não é o que se quer mas que se quer sem saber. Admito apenas que o acaso fez o seu trabalho e levou cada passo para o lugar que depois se tornou evidente.
Não sei o que somos agora um ao outro para além do texto que escrevemos a duas mãos numa noite efémera. Mas esse pouco não é pouco porque agora é tudo. E já não és tu nem eu mas outra coisa que emergiu do lugar oculto em que por uma vez dissemos algumas palavras que explodiram em magia.
quinta-feira, fevereiro 15, 2007
Postcatorze
zunido por aibieme at 11:30 da tarde
zonas: silêncio
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