terça-feira, março 20, 2007

Mundança

No silêncio da noite há um insulto que se propaga ligeiro.
Sabem os que ouvem que não está próximo o fim.
Mesmo assim é aos ouvidos sensíveis que chegam os estrondos mais fortes.
Relativo é o senhor, doutor.

Não disse nada ao pai nem à mãe.
A casa já está vazia desde a outra infância, quando ainda não era possível.
Vogavam à volta da luz insectos de fraco carácter.
Eu não os via porque os olhos se tinham fechado de cansaço.

É provável, disse o angustiado, que não seja este o fim que todos esperávamos.
Ninguém lhe respondeu, imersos que estavam os rostos na sua desencantada morte.
O vento.
Sim havia o vento a divertir as árvores.

Por acaso, ainda que perverso, o silvo da fábrica acordou mais cedo.
As mãos estavam ávidas de saber coisas.
Nenhum preço tinha sido dado para o abandono e nem era preciso.
Paz à sua alma.

Cada vez que as nuvens voltam do mar trazem novidades.
Dizem que são coisas que já se sabiam mas tinham sido entretanto esquecidas.
As frases mais desastradas riem-se de si próprias, com propriedade.
Mas o que eu queria era o horizonte.

Durante quanto tempo vão ainda persistir os hábitos?
Dizem que será a vegetação a vencer.
Mas não esta que desta vez ainda nos vai comer.
Hão-de vir outras mais hábeis a saber viver em lugares nefastos.

Apesar de tudo não lamento.
Foi uma boa tentativa.
A matéria a pensar-se a si própria... que estupidez.
Não acaba nem bem nem mal.

Ainda queria tirar uma moral da história.
São os velhos hábitos: querer que as coisas tenham sentido.
Que coisa estranha este silêncio.
Que coisa estranha não se ler o significado das coisas.

Torcato Matos

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