terça-feira, abril 17, 2007

Genérico


Não existe um amor genérico. O amor tem sempre marca, e marca por ser amor. O amor que existe, quando existe, declara-se a uma entidade concreta, material e insubstituível. É assim a natureza dogmática do amor. Não vai pela margem das coisas, encosta-se directamente ao centro e centra-se no concreto. Não é genérico o amor. Cola-se com veemência à pele e impede a regular respiração dos poros. Exige, como se não houvesse tempo, a urgência do tempo todo e esquece as prosaicas questões do real e do sentido. Para o amor o sentido é tão só aquilo que sente e que não traz à razão, e nunca a razão que, por qualquer razão, traz o sentir. Aquilo que o amor sente é sentido mas não tem sentido nem espera sentido porque por ser amor não espera. E não há nada de genérico no amor. É por isso que o que se diz do amor, como por exemplo isto que eu digo do amor, é sempre um disparate. Não é transmissível a ideia de amor. Só seria transmissível se se desse o caso de o amor ser genérico e poder, sujeito aos artifícios da comunicação, radicar em códigos que não fossem absolutamente únicos de cada vez. Um dia se descobrirá, se houver tempo, a incontornável descontinuidade do amor, e a forma unívoca como, qual um código genético, o amor se manifesta. Num certo sentido chamar amor ao amor já é uma facilidade de linguagem que pressupõe alguma espécie de afinidade entre coisas tão diferentes. Porque o amor é absolutamente unívoco. Tão unívoco que não é o mesmo que vai de A para B e de B para A. Funciona, às vezes, como uma vibração harmónica, descrita, quem sabe se por uma sobreposição absolutamente única de ondas sinusoidais perfeitas. Mas não tem nada de genérico. Fervilha de intensidade própria e, por vezes, basta-se a si próprio, ignorante de totalidades e forças transversais. Fica no centro de tudo e transforma o centro em margem, trazendo o paradoxo para a simetria dos dias. Genérico seria se se pudessem dizer coisas concretas que fossem capazes de englobar o amor sem nos estarmos sempre a contradizer. Isso sim, seria genérico. Dizia amor, e toda a gente sentiria a mesma picada na espinha. Para isso bastava uma palavra e ficava tudo dito. Como dizer água ou céu ou luz. Palavras genéricas para ideias genéricas para pessoas genéricas. Amor não. Há sempre uma outra coisa que ainda não se disse e não é bem assim, estão completamente enganados, não tem nada a ver com isso, nem penses, não é isso que eu sinto, nem pensar, está tudo ao contrário, que disparate. Não. O amor é uma doença do indivíduo. Doença sempre rara, sempre incurável, sempre mortal. Mas nunca genérica.

Prólogo

3 comentários:

addiragram disse...

Só quem vive esta "doença" sabe tão bem dizê~la , sem generalidades,mas conseguindo abstraír todo o seu "absoluto"!

prologo disse...

Bondade sua, Addiragram. Ainda não descobri se há alguma coisa em vez das palavras. As últimas coisas que tenho lido, mesmo na física, parecem indicar que não. Mas é um bom projecto de vida tentar descobrir se há alguma coisa em vez das palavras...

K disse...

E ainda bem que o amor é o menos genérico de todos os sentimentos..
E que a sua identidade pertence apenas a quem o sente.
Gostei do texto.
Parabéns!