quinta-feira, abril 12, 2007

Mandamento

Talvez não valha a pena perceber.
Joga-se com o sentido e no fim cada um tem a sua boa razão.
Cada acto acaba a valer por si, e ao mesmo tempo por aquilo que não é.
O mérito está apenas em não perder; em não sentir nunca a derrota.

Cada viagem ao lugar central é um regresso.
Há ritmos inscritos nos materiais a contrariar as grandes opções.
Sobre os sonhos ainda se dirá serem eles a verdade.
E logo a seguir a morte ou a desistência.

A Lua, por exemplo, faz o seu ciclo como se não soubesse do tempo.
No horizonte há estrelas que se mostram nuas eternas.
Sob o manto pacífico da Terra movem-se massas imponentes de fogo.
E nas noites mais dóceis é possível olhar riscos de luz.
E os finos bordados do medo no escuro.

O nada que faço aqui é tão sério como a nuvem que se forma um instante.
Cada vez que o Sol nasce ainda, é uma primeira vez para sempre.
As rosas deixam cair as pétalas para depois.
Vazias.

Desço outra vez este caminho disfarçado de condenado.
O que sou, seja o que for, é tão pouco como o disfarce que uso.
As botas gastas do atrito do tempo são ao mesmo tempo que o meu rosto.
As gotas de água que transpiro já as bebi muitas vezes.
E o alimento que vai crescendo agreste na beira do caminho já de novo foi meu.
E eu já perdi da minha posse tudo o que outra e outra vez retive,

Nada é só uma vez para sempre.
Mas não é assim que se sentem as coisas.
O que se sente, o que ocorre no intervalo curto em que somos, é uma vontade desfocada de querer o que não é e fugir a todo o custo do que se mostra.

Talvez não valha a pena perceber.
Quando o vento já perdeu a força que tinha de mandar.


Sísifo

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