sexta-feira, agosto 17, 2007

Longe

À distância, o cimo da montanha não se distingue da base da montanha.
Isso poderia ser uma razão suficiente para não me preocupar em estar num lugar ou noutro.
E foi assim que senti sempre o meu lugar, estivesse no topo ou na base do gigante megalítico.
Entre o alto e o baixo da rigorosa construção dos elementos, não seria eu a escolher ou dizer o melhor.
Para a natureza indiferente, uma e outra coisa têm um lugar que não permite hierarquias ou ordens.
E eu faço parte, queira ou não, dessa indiferença da natureza.

À distância, qualquer que ela seja, a diferença que se encontra entre as diferenças, é mínima.
À medida que a distância aumenta, as diferenças tendem rapidamente para zero.
E seria fácil rever as diferenças e pensar que as diferenças mínimas não chegam a ser diferenças.

Quando a montanha parece, assim como hoje, íngreme e cheia de impossibilidades, olhar para ela a grande distância, ainda que apenas pelo olhar da imaginação, tem esse efeito de colocar as diferenças numa medida que possa ser medida com o curto discernimento que acolho.
Vejo ao longe a altura imensa que transponho e o peso imenso que transporto, e tudo parece menor e mais leve, deixando ao passo o seu ritmo mais fácil e veloz.
Do olhar distante recolho ensinamentos dúbios que auxiliam por momentos a relatividade fortuita dos sentidos e das dores.

À distância, pode olhar-se para o outro lado da terra e não ver senão grãos de areia, e, semeadas nela, cores que encantam e disfarçam as abissais diferenças que para sempre ficam ocultas.

Mas é essa mesma indiferença que me arrasta para o largo horizonte.
Lá em cima vêem-se as mesmas estrelas, à mesma distância e com as mesmas cores.
Mas há mais estrelas e o céu é mais imponente.
Lá em cima a diferença é maior... e a indiferença também.

À distância este ocaso que me preenche é invisível excepto para mim.
Vejo os astros a moverem-se coordenados como se tivessem uma intenção e me ignorassem.
Penso que é o meu o olhar que lhes dá existência e com isso tento sobreviver.
A minha função de observador do céu, dá sentido ao mesmo céu - retira-o da inutilidade.

No topo da montanha falo com os astros que não me escutam.
Tento escutar os astros e ouço silêncio.
O que quer que eu diga esgota-se na curta distância da minha voz.
Passa-se qualquer coisa com a natureza que não se liga a nada nem a ninguém.
Deve ser isso que nos humanos é errado.

Pressupor que a distância pode apagar todos os ecos e todas as diferenças.
Gerar nas mentes o esquecimento.
Diluir com rapidez os sentidos e as formas.
Mas no fim persistir em algum lugar um vazio que só a natureza inorgânica é capaz de suportar.

Sísifo

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