domingo, setembro 16, 2007

Vácuo

Aceito que nos passos que descrevem um percurso há uma equação universal,
Nos pequenos pormenores de todos os dias sou capaz de ver teorias de tudo,
E nas dobras coloridas dos caminhos encontro referência a leis fundamentais.
Aceito que esse possa ser o campo de uma razoável crença.


Leio, na escuridão preenchida de estrelas, obscuros romances inacabados.
Sinto, no esforço muscular da subida, as marcas da escultura do tempo.
Percebo, na violência cinzenta do vento, a harmonia frágil da consciência.
Ouço, próximo da margem do rio eufórico, a atracção universal dos corpos.
Sonho, quando a força já não obedece, a equivalência entre a dor e a luz.


Acima das nuvens há um horizonte maior,
A distância sobre a verdade transforma todas as coisas em pequenos nadas,
O relativamente difícil torna-se relativamente fácil,
E os dons que suponho anteriores a cada gesto, tornam-se súbito acaso.


Descer de novo à terra e à sua vã esperança é um suave tormento.
Cada ciclo aproxima-me de distâncias cada vez maiores.
A mancha cinzenta do real revela-se em pormenores escurecidos,
E das paredes húmidas desce o aroma acre do sofrimento,
Enquanto se testam, sob os rochedos, formas dementes de destruição.


Não era isso que tínhamos pensado no início.
Queríamos saber apenas como esgotar nos poros a curiosidade;
Vasculhar a profundidade e o exagero, com prazer e delírio.


Queríamos encontrar uma razão que soubesse muitas razões.
Queríamos tomar connosco o tempo como companheiro de viagem;
Sacudir, na gargalhada ocasional, a certeza biológica do efémero.


Mas há, no discurso ambíguo da inteligência, lugares abandonados ao seu destino,
E o opaco medo de não ser, parece resistir a todas as tentativas de clarificar a natureza da matéria.


Sísifo (sobre a bomba de vácuo)

2 comentários:

addiragram disse...

Como caminhar no interior do Sonho
respeitando a diversidade dos caminhos? Como edificar a Casa nessa
complexa intersecção que parece não resistir à fragilidade dos Homens?
Apesar de tudo acredito que é possível "algures" a Vida acontecer.

Maria Carvalhosa disse...

Mais uma profunda reflexão filosófica, na senda de escrita a que nos habituaste.

Adoro ler-te. Sorvo as palavras e as ideias que elas transportam, tento penetrar mais fundo e deparo-me com um intrincado e complexo mundo de conceitos que me são familiares, que me fazem aproximar de ti, mas que eu seria incapaz de ter escrito.

Um beijo, com muita admiração e amizade.