segunda-feira, outubro 15, 2007

Manga curta

Margens

Tudo o que disse ontem sobre margens parece-me hoje bastante errado. Margens erradas. A noite de domingo não é propícia a dizer coisas definitivas. É véspera de fato e gravata e de movimentos controlados pelo tempo. Há margens que cheguem para todos. Mesmo à multidão podemos aceitar as acefalias como temporárias - tais como os nossos instantes de lucidez - e ter, por isso, esperança que o mecanismo celular da evolução não se dê por esgotado ou satisfeito.

Eu

Papeis, textos, restos, pedaços, tempo, vontade. Listas. Regresso. Vai ficando a vida dispersa em pedaços, e esta surpresa resulta, como as outras, de marcar o futuro com formas previsíveis. Tudo é surpresa e nada é surpresa. O movimento do tempo é igual ao do texto e daquilo que se quer comunicar - ou esconder. Procura-se a essência, por vezes o esqueleto, a estrutura, outras o princípio vital, o sopro inicial, outras vezes outro mito qualquer, a irrecusável analogia, porque se parte do lugar onde se está e não de outro sítio qualquer. Entender, compreender, tornar possível, contínuo, o discurso do conhecimento. Insatisfaz o salto - a quem insatisfaz, que não ouso entrar no que outros pensam - porque qualquer descontinuidade é uma ruptura, uma imperfeição. Ainda assim o único discurso legítimo, porque tendencialmente um testemunho, é a primeira pessoa, a abominável primeira pessoa, livre do território das hipóteses secundárias, e sempre afirmativo, mesmo que errado, mesmo que duvidoso.

Melodia

Quando não perceberes a letra tenta dar atenção à música.

Insectos

Hoje voltei a vestir manga curta. O aquecimento global veio visitar-me com um sorriso vencedor. Eu e os mosquitos ficámos felizes.

Susto

Estava a olhar para a beleza jovem de uma empregada de bar e a pensar que esta beleza a que damos valor não resistiria às dificuldades de uma vida um pouco menos amparada. Lembro-me de como uma mulher que amei ficava feia quando se afligia ou perdia o controlo da situação. O rosto do medo é, ele próprio, aterrador. Perante o desconhecido o rosto transfigura-se e revela o que parece estar antes dele. Não deixa de ser estranho que considere mais autêntico o que se revela na aflição do que o que ocorre na normalidade.


Artur Torrado

3 comentários:

addiragram disse...

A lucidez tem também, por vezes, um efeito corrosivo.
Será a normalidade uma parte viva de nós? Não será a dor
o lugar possível do conhecimento?
Ideias tontas que me vieram desta escrita, sempre precisa e implacável.

Artur Torrado disse...

Addiragram, a lucidez é anárquica. Gosto da palavra e por isso uso-a, mesmo não sabendo o que significa. Assim como gosto de ideias tontas...

Mónica disse...

olha lá isto de juntar tudo ao molhe não tá bem, obrigas-me a pensar para comentar ponto por ponto, lá se vai a simplicidade..
possas!
(ou será: posses!?)