domingo, novembro 18, 2007

Palavras cegas

A Mo comentou o Cisne, e eu, sabendo que o Ivo não recomenta, comento o comentário da Mo e o não comentário do Ivo, aproveitando um 'post' da Mo que poderá estar na origem, ainda que remota, do 'post' do Ivo que andava retirado há uns largos meses.


O cisne de que fala o Ivo é o mesmo de que fala a Mo. É um cisne público que se agrega como símbolo a um imaginário que se tornou comum. É um cisne integrador que se lexicalizou e que, dentro de um contexto bastante alargado, permite comunicação e entendimento. O Ivo não recorda nenhum cisne que tenha forçado esses parâmetros que se partilham apenas pelo nome. Por isso diz que o seu cisne é apenas um cisne como os outros, sem a peculiaridade de outros cisnes que ele vê esvoaçarem irrequietos na realidade de outros testemunhos.

O periquito da Mo, consigo eu vê-lo de maneira semelhante a ela (não sei o que diria o Ivo), porque refere sinais que também existiram nas minhas saídas da escola. Mas percebo que é um periquito sem a universalidade do cisne. É um som particular, um sabor localizado no espaço, uma 'private joke' para 'especialistas'. O periquito da Mo não é tão particular como a figueira do Ivo, mas não é tão público como o cisne.

Também a cobra da Mo não se equivale à figueira do Ivo. Talvez se compare com o tigre de que ele fala de raspão, sem dizer nada que o exponha para além de falar de um tigre ou de um leopardo, como de uma oliveira ou de outra árvore qualquer. Por que a cobra de que a Mo fala trás consigo uma história que ela começa a contar. Começa apenas, porque depois pára para esconder as 'n' associações que podem inundar a página e tornar-se novos pontos de uma imagem.

Suponho que é esta subtileza que provoca a diferença entre o texto necessário e o texto supérfluo: algo que quando dito acrescenta o indivíduo à prosa, gerando a estranheza no meio do menor número viável de reconhecimentos. A maior parte do tempo o nosso discurso faz-se no campo da identificação. Falamos para ser facilmente entendidos; contamos a mesma história vezes repetidas, variando apenas pequenos pormenores; falamos e rimos de um filme que vimos, descrevendo apenas os elementos necessários à identificação; partilhamos essencialmente o que já todos sabem. A globalização quer, precisamente, que estejamos todos sintonizados no mesmo caldo: um vocabulário mínimo que seja reconhecível sem estranheza.

A exigência da literatura e da arte é a criação de mundos novos. E mundos novos são mundos individuais que têm a 'sorte' de ser diferentes e ousar a exposição. É o indivíduo a tornear a marcha unânime do grupo. É a leitura divergente da cobra, porque sentida sem ser requerida, que pode acrescentar alguma coisa ao existente. É o caso particular de uma figueira precocemente plantada que pode ter alguma novidade no mundo. É ir desnorteada numa estrada de calçada amarela. A maioria das vezes estes mundos particulares não despertam o interesse de ninguém, nem do próprio que os viveu ou imaginou. Outras vezes são entendidos e têm um grupo receptivo à particular vibração da corda.

É por isso que raramente um produto inovador é bem sucedido. O reconhecimento tem muito mais procura que o conhecimento.

Sobre o cego, lembro-me da 'Terra de Cegos' do H. G. Wells e de como ele serve de prova para a possibilidade de o melhor olhar não ser o primeiro mas o que passa ao lado do óbvio. E esse olhar que passa ao lado só pode nascer no indivíduo e na sua história peculiar.


Pode ler-se a 'Terra de Cegos' numa das versões originais e numa tradução com sotaque brasileiro.

5 comentários:

Mónica disse...

espera espera! essa da cobra tá mto esticada, as associações q fiz advéem todas da figura de "o cobra" vulgo scharz...blablá.

mas no teu texto n dizes nada q me faça pensar q o cisne do ivo é o mesmo que o meu, pelo contrário! para o ivo cisne n sugere nada. acho q me tás a endrominar :P

Mónica disse...

lapso, ler "mas no texto do ivo... n é dito nada q..."

Zumbido disse...

Não endromino nada. O cobra de que falas não sei quem é. Presumes como vulgo o que talvez não seja tão vulgo assim. Também o Ivo terá sentido como vulgo o que pensa quando pensa em cisnes mesmo que seja o mesmo que tu pensas quando pensas em cisnes (lateralmente para mim o cisne lembra um tubo de guache a ser espremido...). Também há esse lado de considerarmos globais as associações de ideias que nos são particulares. Mas o vulgo é uma boa palavra para identificar aquilo que é relevante por ser irrelevante. Talvez a tua associação de cobra seja vulgo. Mas o teu desnorte numa estrada de calçada amarela não tem nada de vulgo. E é apenas um exemplo... ;)

Mónica disse...

ok enganei-me peço desculpa a personagem "o cobra" é interpretada pelo stallone (fui ao google) pensei q fosse interpretada pelo schwarzenegger esse sim corresponde à minha descrição de cobra: governador, muito corpo poucas palavras e espaço entre os dentes.
não volto a fazer analogias sem antes ir ao google :P

qto ao meu desnorte em estrada de calçada amarela n sei qual a dúvida, pensei na "yellow brick road" da judy garland

L u i s P e s t a n a disse...

"A EXIGÊNCIA da arte é a criação de MUNDOS novos"

Muito bom...