quarta-feira, junho 01, 2005

A Sophia

Ando deprimido. A presença da Chris cá em casa estraga-me as rotinas. Mexe em tudo e deixa as coisas fora do lugar. Diz que veio para ficar. Eu sei que aos poucos me vou habituando mas entretanto a paciência vai sendo pouca. Que é que eu posso fazer? Ela sabe que me tem na mão. Ela tem o excesso de intenções que me falta.

Esta noite sonhei com a Sophia. Já há muito que não pensava nela. Enquanto a Chris ressonava ao meu lado acordei a pensar nela. Depois fiquei numa longa vigília a recordar os bons tempos que passei com ela. É daqueles amores que ficam para sempre. Um bocado ambíguos, é certo. Nunca percebi se ela gostava de mim ou não. Mas isso tem a ver com as minhas inseguranças. Eu gostei, e gosto, muito dela. É uma pessoa que exige tempo, que quer a nossa atenção, que precisa de esforço, mas que tem um retorno de satisfação e prazer muito significativo. O que se chama um bom investimento.

A Chris é o contrário. Parece que só me move a ideia de que um dia, quando ela estiver satisfeita, se vai embora.

Conheci a Sophia em Évora. Perdemo-nos nas ruas sinuosas à procura de fantasmas. Onde estariam os nomes daqueles crânios, daquelas ossadas? Comovo-me quando me lembro como poderíamos ter sido felizes se eu tivesse mais golpe de asa. Mas nada é como queremos. Não adianta nada quando o corpo não tem estrutura para acompanhar o sonho. Aliás, devia ser proibido nascer quando se notassem incompatibilidades internas entre o desejo e a desenvoltura.

Nunca tivemos, propriamente, vida em comum. A Sophia é uma mulher independente. Gosta de estar no seu lugar e criá-lo à sua maneira. Não aceita sugestões. Nem aqui, nem lá! Sempre em terra de ninguém. Também, à sua maneira, é dominadora como a Chris. Tem as ideias bem definidas e prefere os percursos próprios à aleatoriedade e à opinião dos leigos. Arrasta-nos para caminhos imprevisíveis. E sempre extremamente povoados.

Muitas vezes me perguntei o que despoletava a paixão por uma mulher assim. Continuo sem saber. Pode ser a curiosidade, o mistério, o infinito, a razão. Sei lá.

Esta noite sonhei com ela. Foi um sonho platónico. Mas pensar nela já não foi tão inocente. Não percebo esta atitude da mente: ter um corpo ao lado e ficar a pensar noutro como se o desejo se deslocalizasse e ficasse para sempre separado do seu contexto.

Apesar de não ter dormido levantei-me sem sono. A Chris nem se quis levantar. Levei-lhe o almoço à cama.

O Hilário telefonou-me hoje de manhã e durante a conversa perguntou-me com quem estava agora. Disse-lhe que estava com a Chris. Ele riu-se e disse: tás fodido! Mas ele diz isso de todas.

Ivo Cação
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