domingo, abril 23, 2006

Determinismo

Não é totalmente verdade que eu procure a totalidade. Por vezes procuro apenas uma parte e espero que o todo venha depois, como consequência, como evidência. Quando digo tudo, e tenho consciência que não tenho consciência de estar sempre a dizer tudo, faço-o como um reflexo, não por reflectir mas por agir reflexamente, sem chegar a pensar, sem chegar a saber o que digo. Em tudo o que nos cerca - e este nos é sintomático de eu não querer ficar sozinho - há tudo o que a maior parte das vezes consideramos nada. Se eu procurasse a totalidade - se eu só me contentasse na ausência de exclusões - teria dito que há tudo o que todas as vezes consideramos nada.

É verdade que me incomodam as sobras. É verdade que antes de tudo procuro que tudo tenha uma explicação que não deixe pontas de fora. É verdade também que de tudo o que encontro me preocupam mais as coisas que não estão ainda inscritas na minha totalidade.

Mas não é totalmente verdade que eu procure a totalidade. Até porque não me resigno aos totalitarismos. Até porque fico sempre à espera de mais. Até porque nunca aceitaria a completude nem o fim.

Interessa-me sim o todo. Assim como me interessam as partes. Mas quando vejo uma parte, quando se amontoam à minha frente partes e mais partes, peças e mais peças, elementos e mais elementos, o olhar e o pensamento desesperam de encontrar um significado que os integre, sem sobras, sem excedentes, sem restos.

Mas não é totalmente verdade que eu procure a totalidade. Há a pulsão de montar o lego, e tirar do caos tudo o que ele possa ter escondido. Há a pulsão de criar significado onde ele quer estar oculto ou inexistente. Não interessa, então, como se chega à totalidade, da mesma maneira que não interessa reconhecer a totalidade.

Um total é sempre um sub-total. Depois de concluir continua tudo por acabar. Uma peça mais e o espaço continua vazio. Tudo o que se soma, tudo o que se multiplica, tudo o que se acumula, tudo o que se deseja, é apenas e sempre o início.

Prólogo

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