quarta-feira, agosto 08, 2007

Comparação

Sabes? Não é possível chegarmos aos sonhos dos outros. Nem aos nossos. Mas ainda menos aos dos outros. Cada gesto que construímos na particularidade do nosso entendimento, pressupõe uma história, e medos muito próprios. E não sabemos nada dos sonhos dos outros.
No estado puro o pensamento talvez dispensasse a informação do tempo. Mas nunca sairia do seu lugar original. Vogaria em círculos sobre a mesma paisagem, e se não chegasse ao tédio seria por desconhecimento. Mas o estado puro é também ele um sonho, ou mais propriamente um pesadelo.
Na realidade, chamando realidade a este lugar que habitamos com os nossos sonhos, há em cima de cada desejo um peso extravagante de formas, sentidos e perdas. Tudo junto numa bola de trapos que permanece inquieta entre os dedos.
Mas aos sonhos dos outros não chegamos. Arquivamos as frases melhores e sorrimos quando a memória atraiçoa mais um momento que se perdeu. Sobre esse estrado de emoções constrói-se outro andar da torre da nossa Babel interior. Claro que o objectivo é o céu.
Que fazer quando, sobre o tabuleiro, parecem esgotados os movimentos que garantem a vitória? Como viver sem essa vital substância da comparação? Como permanecer no lugar em que não se é sempre o primeiro? Como sentir alguma coisa quando sobre o sentir paira sempre a ave abrupta da imposição?
Quando nasci não me questionei sobre a liberdade. Tinha outros propósitos, e alimentar-me era o que me tornava vivo. Ao pé de mim passou o tempo e houve um instante em que devo ter sentido que o vento era mais forte do que eu. Terá sido aí, pelo acaso de um momento, que me apercebi da estranheza do lugar. Nada do que tinha pensado era autêntico, e olhar para as coisas com atenção não era suficiente para as ver.
Haviam outras formas e outros mundos, outras idades e outras estranhezas, outras manchas e muitos outros sonhos. De cada lado da certeza surgia uma verdade diferente e a cada uma delas eu poderia designar suprema se isso fosse a minha vontade. Também porque em todos os sentidos a minha designação era inútil e a minha vontade etérea.
Nasci num tempo em que já todos os objectos tinham nome. Mesmo as coisas que não se sabia o que eram, eram coisas. E às coisas que eu ainda não sabia que eram coisas chamava aquilo. E o tempo passei-o eu todo a aprender os nomes das coisas, a saber de cor as cores e o números e a tentar arranjar outra coisa que o dicionário ainda não soubesse.
Tempo ganho é tempo perdido de outra forma. O passo que se dá para a frente já tem o seu ocaso no próprio passo. Mas nenhum sonho o distingue de outro. Nenhuma comparação.
Sabes? Não é possível chegarmos a sonho nenhum. Nem aos nossos nem aos dos outros. Este lugar onde ocorrem os nossos sonhos é tão irreal como os sonhos que temos deste lugar. Depois de virarmos uma esquina há sempre outra esquina para virar. E, por causa dos sonhos, as esquinas são sempre outras. Isto é o que se sabe. Haverá outras coisas que não se sabem. O que dói muito a dizer.
Aquilo que eu queria, aquilo que teria feito as coisas parecerem, segundo os meus sonhos, diferentes, era a hipótese, ainda que remota, de haver algum sentido oculto, coisa ainda sem nome, que valesse a pena procurar. Essa seria a razão mais que suficiente para andar por aí, no maior dos tédios, a alimentar o corpo.

ikivuku

1 comentário:

Mónica disse...

tstststs mudasti pra conformado pessimista