Às vezes penso, como tu, que era bom que eu fosse outra pessoa. Era melhor que em vez de este eu que sou, fosse outro eu que não este. Em vez deste silêncio pouco amável, um outro silêncio ruidoso que enchesse o espaço e a razão. Em vez desta cor baça feita de cinzentos, tons vistosos de fogo e de céu nascente. Em vez deste movimento lento de tarde de verão, a vertigem ágil de perseguir o tempo. Em vez deste pacto insípido com o acaso, o prazer de decidir sobre as coisas e saber de todas elas o lugar certo.
Era assim não ser eu: identidade por identidade, corpo por corpo, sentido por sentido. Nenhum gesto ainda reconhecível: outro lado, outro lugar, outra sombra, outra certeza.
Provavelmente não serás só tu - e agora eu - a pensar assim, a pensar como seria melhor se em vez de ser eu aqui fosse outro aqui, outra imagem e outra verdade, outro riso e outra oportunidade. Haverá outras pessoas a chegar a essa conclusão difícil, de substituir uma função por outra e nenhuma intenção por alguma. Num plano muito pessoal essa até poderia ser uma forma de definir a escorregadia seta do tempo.
E eu agora, neste confuso mergulhar do verão, apenas consigo encontrar formas de concordância. As mais demonstráveis das verdades têm sido claras a denunciar que não é assim que se é. Há um mundo inteiro de razões, móveis e bem sucedidas, a dizer em voz alta que os caminhos se trilham de espada na mão e olhar no alto. E hoje, por estes dias, não me sobra energia para contestar a veemência dos que sabem e estão seguros de saber que sabem.
Uma casa é um buraco. Para os devidos efeitos uma casa é um buraco. Um lugar onde estamos supostamente protegidos do mundo e da sua gratidão. Mas numa casa, num buraco, não se muda uma vírgula ao discurso, nem se muda de pele, nem de medos, nem de desejos. É do exterior que nasce a diferença, é do exterior que pode surgir o impossível.
Concordo. Era bom que eu fosse outra pessoa. Teria outros pensamentos e escreveria outras coisas que talvez até fosse capaz de ler.
Concordo. Era bom que eu fosse outra pessoa.
sexta-feira, agosto 31, 2007
Postdezassete
zunido por aibieme at 1:57 da tarde
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3 comentários:
não te dês ao trabalho: já mudei
É esse "impossível" que é desejável poder esperar de cada novo encontro! O "impossível" como espaço de criação da mudança...O "impossível" como potencial de ruptura com o já sabido.
escreveste aqui o paradoxo inevitável do ser.
e... nós numca sabemos o lugar certo das coisas.
As coisas só têm o lugar que lhe damos; e umas vezes ajustam-se, outras não.
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