sábado, novembro 17, 2007

Cisne

Porque é que quando vejo um cisne vejo apenas um cisne? Embora quando vejo um tigre veja sempre muito mais do que um tigre. A pomba, por exemplo, mesmo que eu tente, não me consegue parecer mais do que uma pomba. Mesmo que seja branca. Já o golfinho é sempre outra coisa que não um golfinho. Muito mais do que um golfinho. Uma árvore, uma dessas árvores a que damos nomes bonitos como pinheiro, sobreiro, carvalho, nogueira, castanheiro, é sempre muito mais do que uma árvore e deixa na mente ramos de ideias e sentimentos entrelaçados. Mesmo uma oliveira retorcida, como se transformasse sofrimento em ouro, é sempre mais do que uma oliveira, mais do que ela e do que eu.

Mas isso são as maneiras como eu vejo. E como gosto de ver. Não interessa muito o que as coisas são e interessa tudo o que vemos nas coisas. Interessa a cada um a maneira como vê, e nada interessa da coisa mesmo que a coisa seja uma coisa independente do que nós vemos. E se o que eu vejo na coisa não é o mesmo que tu vês, isso então quer dizer que a coisa é mais do que ela própria para cada um de nós.

Admito que haja quem veja num cisne mais do que o próprio cisne, por que eu vejo no leopardo muito mais do que um leopardo. Mesmo que seja um leopardo concreto de que eu tenha ganho a amizade. E digo isto por que admito que sei - ainda que possa estar enganado - o que é suposto ver quando se olha para um cisne, na sua forma mais rudimentar de cisne. E, quando alguém diz que vê num cisne outras coisas para além dessas que eu sou capaz de ver num cisne, e que não me parecem nada de especial, e guardo para mim que essas coisas que se podem ver e eu não, são da mesma natureza das que eu vejo num tigre para além daquilo que eu seria capaz de ver num tigre, na sua forma mais objectiva de tigre.

Em criança plantei uma figueira e por causa desse percalço da minha infância, aquela figueira passou a estar para mim no lugar de todas as figueiras que depois encontrei, e mesmo naquelas que se foram referindo pelos seus frutos e pelas suas palavras. Figueira, então, cresceu comigo nas minhas formas de ver e passou a ser muito mais do que uma figueira, agarrada ao meu passado e ao meu murmúrio de infância. Talvez fosse diferente se eu tivesse, por outra razão ocasional, soletrado um cisne no entardecer das minhas brincadeiras. O meu cisne não nadou no meu lago que não havia na minha memória. Ficou, por isso, um cisne que não se emociona com a passagem do tempo.

3 comentários:

Mónica disse...

cisne tem tudo a ver com tutu, ballet, dança, tchaikovsky (tive q ir ao google ver como se escreve), já se fosse piriquito, tb não, tem a ver com travesseiros, doce de amendoa, bolo quentinho, saida da escola, já se fosse cobra, poças esse lembra o schwarzenegger (mais uma no google), espaço entre dentres, muito corpo poucas palavras, governador, então pode ser epá não sei se me lembro de alguma palavra é pq ela tem n associações, então é isso, não tenho essa tua capacidade de ter palavras cegas :D agora disse cego, mas tb n dá vejo bengala, oculos escuros

addiragram disse...

Belíssimo texto este! Está lá tudo.O
que acontece quando aquilo que vemos
não aquilo que os outros vêem e quando os outros dizem que viram o mesmo que nós?

addiragram disse...

Belíssimo texto este! Está lá tudo.O
que acontece quando aquilo que vemos
não aquilo que os outros vêem e quando os outros dizem que viram o mesmo que nós?