Hoje apetecia-me falar de sagrado. Assim, sem mais nem menos.
Pegar naquelas palavras que às vezes tememos dizer, olhar, sentir e dissertar sobre elas, brincar com elas, deitar-me com elas. Tudo isso sem atentar nunca contra o sagrado.
Mas não me apetece ir pegar agora em livros e procurar essas tais palavras, dizê-las em voz alta e meter-me pela noite dentro à procura dos lugares comuns que elas encobrem.
Até porque este apetite que hoje tenho de falar do sagrado pode ser contra-producente. Porque há um estado de espírito próprio para falar e pensar o sagrado e dado que me apetece falar do sagrado não estou provavelmente com o melhor espírito para o fazer.
Não podia, no entanto, deixar de deixar registado este apetite.
Mas não. Hoje não é um dia que me apeteça meter o nariz no meio do pó dos livros onde com grande certeza se encontra o sagrado no seu estado mais puro. Eu sei que o sagrado é sempre puro mas mesmo a pureza mais refinada tem os seus altos e baixos. Em termos modernos até poderíamos falar de uma certa qualidade que o sagrado pode ter.
Cheguei aqui e reparo que o sagrado saiu sempre escrito com letra minúscula. E agora tenho a dúvida se devo ou não voltar atrás e pôr um 's' grande em todos os sagrados. Será sagrada a palavra 'sagrado'?
Vou admitir que não e se houver alguém para quem a palavra 'sagrado' seja sagrada, peço desde já desculpa porque a minha intenção era não ofender. Talvez eu devesse, pelo sim pelo não, pôr um 's' grande porque certamente ninguém ficaria ofendido se a palavra 'sagrado', mesmo não sendo sagrada, tivesse uma inicial maiúscula. Mas não sei.
Pode acontecer que alguém mais modelar nestas coisas, ache que já constitui uma ofensa usar uma marca de sagrado numa palavra que não é sagrada. É assim um pouco como deitar comida fora sabendo que há tanta gente a passar fome.
É estranho como afinal o sagrado se meteu no meu texto quando eu já tinha desistido de aqui o meter. Acaso eu não posso excluir o sagrado de um texto só porque me apetece? Eu sei que comecei por dizer que me apetecia falar do sagrado. Mas era uma mera hipótese. Também me apetecia agora ir para a praia e não está, evidentemente, tempo para isso. Pelo menos a esta latitude. Do apetecer ao fazer vai uma certa distância.
Mas quando dou por mim tenho o sagrado metido com toda a força e impertinência pelo meu texto adentro. A minha consciência diz-me que não devo considerar a palavra 'sagrado' como sagrada. Mas os dados da realidade permitem acreditar que em algum lugar haverá alguém para quem a palavra 'sagrado' é sagrada e que, por consequência, poderá considerar ofensiva a minha falta de respeito por uma palavra que, eu reconheço, não me pertence.
Talvez eu pudesse pôr uma advertência no início do texto: "se para si a palavra 'sagrado' é sagrada não continue a leitura deste texto pois poderá considerar-se ofendido e essa não é, em caso algum, a minha intenção". Mas, mesmo aqui, não posso evitar a escrita da palavra 'sagrado', podendo estar, extemporaneamente, a atiçar contra mim o ódio de alguém que desprevenidamente acede ao meu texto.
Se ponho uma advertência mais genérica, do género, "cuidado este texto pode ter um carácter ofensivo" estou por um lado a excluir a hipótese de ser lido por alguém que se possa sentir ofendido com o meu texto, mas estou, rigorosamente a propor o meu texto exclusivamente a dois tipos de leitores.
Os primeiros são os que pensam "ena, coisas ofensivas, era mesmo disto que eu estava à procura", que vão, não tenho dúvidas, ficar terrivelmente ofendidos e capazes de me matar por não encontrarem no meu texto nada de suficientemente ofensivo para a sua gula coprófila.
Os segundos são os que pensam "olha! deixa lá ver o que é que este gajo não quer que eu veja" e que hão-de encontrar alguma coisa realmente ofensiva para alguém, a quem, muito solicitamente, farão ver aquilo que de outra maneira não veriam e que, por isso, os não ofenderia.
O melhor mesmo seria apagar isto tudo e ir dormir. Ou então tirar o 's'.
Pegar naquelas palavras que às vezes tememos dizer, olhar, sentir e dissertar sobre elas, brincar com elas, deitar-me com elas. Tudo isso sem atentar nunca contra o sagrado.
Mas não me apetece ir pegar agora em livros e procurar essas tais palavras, dizê-las em voz alta e meter-me pela noite dentro à procura dos lugares comuns que elas encobrem.
Até porque este apetite que hoje tenho de falar do sagrado pode ser contra-producente. Porque há um estado de espírito próprio para falar e pensar o sagrado e dado que me apetece falar do sagrado não estou provavelmente com o melhor espírito para o fazer.
Não podia, no entanto, deixar de deixar registado este apetite.
Mas não. Hoje não é um dia que me apeteça meter o nariz no meio do pó dos livros onde com grande certeza se encontra o sagrado no seu estado mais puro. Eu sei que o sagrado é sempre puro mas mesmo a pureza mais refinada tem os seus altos e baixos. Em termos modernos até poderíamos falar de uma certa qualidade que o sagrado pode ter.
Cheguei aqui e reparo que o sagrado saiu sempre escrito com letra minúscula. E agora tenho a dúvida se devo ou não voltar atrás e pôr um 's' grande em todos os sagrados. Será sagrada a palavra 'sagrado'?
Vou admitir que não e se houver alguém para quem a palavra 'sagrado' seja sagrada, peço desde já desculpa porque a minha intenção era não ofender. Talvez eu devesse, pelo sim pelo não, pôr um 's' grande porque certamente ninguém ficaria ofendido se a palavra 'sagrado', mesmo não sendo sagrada, tivesse uma inicial maiúscula. Mas não sei.
Pode acontecer que alguém mais modelar nestas coisas, ache que já constitui uma ofensa usar uma marca de sagrado numa palavra que não é sagrada. É assim um pouco como deitar comida fora sabendo que há tanta gente a passar fome.
É estranho como afinal o sagrado se meteu no meu texto quando eu já tinha desistido de aqui o meter. Acaso eu não posso excluir o sagrado de um texto só porque me apetece? Eu sei que comecei por dizer que me apetecia falar do sagrado. Mas era uma mera hipótese. Também me apetecia agora ir para a praia e não está, evidentemente, tempo para isso. Pelo menos a esta latitude. Do apetecer ao fazer vai uma certa distância.
Mas quando dou por mim tenho o sagrado metido com toda a força e impertinência pelo meu texto adentro. A minha consciência diz-me que não devo considerar a palavra 'sagrado' como sagrada. Mas os dados da realidade permitem acreditar que em algum lugar haverá alguém para quem a palavra 'sagrado' é sagrada e que, por consequência, poderá considerar ofensiva a minha falta de respeito por uma palavra que, eu reconheço, não me pertence.
Talvez eu pudesse pôr uma advertência no início do texto: "se para si a palavra 'sagrado' é sagrada não continue a leitura deste texto pois poderá considerar-se ofendido e essa não é, em caso algum, a minha intenção". Mas, mesmo aqui, não posso evitar a escrita da palavra 'sagrado', podendo estar, extemporaneamente, a atiçar contra mim o ódio de alguém que desprevenidamente acede ao meu texto.
Se ponho uma advertência mais genérica, do género, "cuidado este texto pode ter um carácter ofensivo" estou por um lado a excluir a hipótese de ser lido por alguém que se possa sentir ofendido com o meu texto, mas estou, rigorosamente a propor o meu texto exclusivamente a dois tipos de leitores.
Os primeiros são os que pensam "ena, coisas ofensivas, era mesmo disto que eu estava à procura", que vão, não tenho dúvidas, ficar terrivelmente ofendidos e capazes de me matar por não encontrarem no meu texto nada de suficientemente ofensivo para a sua gula coprófila.
Os segundos são os que pensam "olha! deixa lá ver o que é que este gajo não quer que eu veja" e que hão-de encontrar alguma coisa realmente ofensiva para alguém, a quem, muito solicitamente, farão ver aquilo que de outra maneira não veriam e que, por isso, os não ofenderia.
O melhor mesmo seria apagar isto tudo e ir dormir. Ou então tirar o 's'.
Prólogo
2 comentários:
sim podias tirar mas aí não haveria livro que te valesse para o encontrares... dizem que é fútil procurá-lo mas eu acho que não, se todos podessemos usufruir dele assim com mais prazer e assiduidade seriamos muito mais felizes
pois é sacode o pó sacode não é lá que está!
é aqui mesmo em minusculas, bem vestido de som sibilante, disfarçado dirão uns, bem enquadrado dirão outros, digo eu lindo!
fuuuuuu suei e desculpa lá a brincadeira!
Gostei. Que surpresa agradável encontrar assim, como que por acaso, um blog tão interessante e ter começado por ler, também por acaso, este post, tão intenso de absurdo, tão improvavelmente escrito por alguém, tão ao meu gosto!!!
Obrigada.
Um beijo.
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