Há gotas de sangue no caminho que leva ao topo da montanha.
Escassas, são já demais, porque surgem como marcas num caminho antes difícil mas sereno.
Perturbam então quem passa e quer apenas que o seu pensamento se dirija para as palavras que ainda faltam inventar.
Tinha sido dito aos filhos que nos seus passos a perturbação seria cada vez menor e os percalços do insondável seriam reduzidos à medida do tempo.
Não seriam mais necessárias as filas de gente seguindo o critério da cegueira.
Tinha sido dito com alguma fé, como se lavadas as mãos das sujidades vadias o passado perecesse e os sonhos fossem novos.
A ninguém seria pedido o sacrifício de se fortificar de terror.
Confesso que houve momentos em que, por desejo, acreditei.
Sabia que do lado de lá havia múltiplas formas de contaminar a linearidade do pensamento.
E sabia, ainda melhor, que do lado de cá se encavalitavam as ambições em movimento frenético para extrair de cada instante sucos cada vez mais verdes e sem sabor.
E sabendo tudo isso permanecia esperançado.
A ideia de milagre nasce com cada ser.
E mesmo quando o número irrompe como coisa próxima do infinito, erguemos a taça sugerindo ao tempo uma atenção especial à nossa condição de privilégio umbilical.
Sorte de nascer.
Sorte de viver.
Sorte de sentir.
Tinha sido dito aos filhos dos que morreram em inexplicável sofrimento que a história não se repetiria.
Que um erro acontece uma vez no tempo e depois se esquece a maneira de errar.
Tinha sido dito aos filhos que não importavam nada as evidências de o barco ter uma desmedida inclinação para estibordo.
Que a força das águas dispensava coisas abstractas como justiça e igualdade.
Há gotas de sangue no caminho.
Os deuses estão de novo preparando o ventre para lauto banquete.
Há no ar pólenes soprados com violência que perturbam a respiração de quem passa.
Os deuses querem de novo o medo.
1 comentário:
Prometeus e Pandoras precisam-se!
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