sábado, fevereiro 18, 2006

Jakob von Gunten

Talvez fosse desejável que entre cada livro que se lê, como entre cada pensamento encadeado, houvesse uma ligação lógica que permitisse, numa espécie de investigação policial, fazer o rebobinar da história e chegar à origem primordial das coisas. Isto por na passada semana, antes de absurdamente me ter voltado para os contos de Franz Kafka escolhidos por Jorge Luis Borges, ter lido com impaciência infantil o Jakob von Gunten do Robert Walser.
Ao Robert cheguei atrasado por não encontrar o livro que sabia editado, mas ninguém, nesses lugares onde agora se podem encontrar livros, o tinha disponível. Está bem, eu sei, mas a minha pessoa não compra livros na ‘internet’. Mais não fosse porque ninguém me passa um cartão de crédito.
Entretanto consegui encontrar o Jakob von Gunten e através dele tive acesso ao Instituto Benjamenta. Bom, talvez não seja bem assim. Eu tinha tido um pequeno acesso ao Instituto Benjamenta n’o mal de Montano do Enrique Vila-Matas. Coisa pouca mas bastante intrigante, embora o Enrique tenha essa estranha capacidade de tornar intrigante um objecto só porque lhe faz referência. Nem sei dizer se isso é bom ou é mau.
Mas a verdade é que não saltei directamente d’o mal de Montano para o Jakob von Gunten. Existe cerca de um ano de intervalo entre os dois. E um ano nestas coisas dos livros não é nada. Mas um ano nesta coisa da vida é muito tempo; demasiado tempo. Talvez a paciência seja a grande diferença entre os livros e a vida.
Antes de Jakob apenas posso referir, por isso, uma certa impaciência em encontrar o livro. Até porque não consigo estabelecer nenhuma relação entre ele e Paris nunca de acaba também do Enrique, mas onde nem tenho a certeza de haver alguma referência ao Robert, e que foi mais próximo.
Fui ver. Retiro o que disse. Enrique, fala de Robert assim: O golpe de misericórdia deu-mo Arrieta oferecendo-me o romance Jacob von Gunten de Robert Walser. Abri-o na primeira página, comecei a ler: “Aqui aprende-se muito pouco, há falta de professores e nós, os rapazes do Liceu Benjamenta, nunca viremos a ser nada, quer dizer, de hoje para amanhã seremos todos gente muito modesta e subordinada.”
O caso assim muda de figura. Fui literalmente empurrado pelo Enrique para cima do Robert! Não gosto de dizer estas coisas mas acho que valeu a pena. Isto para mim é um esforço terrível, enviar para o éter a notícia dos amigos que cultivo e aprecio.
Afinal, quem leio eu quando leio um autor estrangeiro traduzido para a minha língua? Não há nada a fazer, estou na mão do tradutor. Nem posso dizer, por que não sei, se traduziu bem ou mal. Posso apenas dizer que o Jakob parece escrito directamente em português. E também isso me soube bem.

Artur Torrado

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