Num certo sentido só hoje se completa o processo democrático iniciado no 25 de Abril. A promessa era a de que o povo decidisse sobre todas as questões do país, mas por uma razão ou outra, houve sectores que, no meio político, resistiram à ideia de que até nos seus redutos, o povo poderia meter o pé. Acreditava-se que o povo saberia escolher entre os seus, os melhores para cada uma das diversas posições que era necessário ocupar no sistema.
E assim foi. Sempre que pôde o povo soube procurar entre os seus, aqueles que melhor considerava para estarem nos melhores lugares de relevo e de decisão. A longo de trinta anos o povo foi, por aquisição de conhecimento, por amadurecimento, por dedicada postura de aprendizagem e esforço, recompensando os melhores, primeiro nas suas esferas de proximidade, depois em círculos mais alargados, até que hoje consegue colocar um dos seus na mais elevada cadeira de representabilidade.
Suponho que só nos resta comemorar o facto. Admitindo que existem mesmo ciclos, temos que admitir também que depois de se atingir um ponto máximo, mais tarde ou mais cedo se começará a descer. Claro que poderá ser desagradável pensar que tempos melhores só virão depois de nós cá não estarmos, e que por isso, para o bem e para o mal, este é o tempo que vai ser para sempre o nosso.
Reconheço: vivo na clandestinidade. Não compreendo como é possível reconhecermo-nos com tanto empenho, nesta mediocridade. Como é possível termos deixado de nos questionar sobre o valor das coisas e como aceitamos com tanta facilidade o banal. Como substituímos com prazer, o valor do esforço pelo da futilidade. Agora, durante anos, muitos anos, vamos mergulhar ainda mais numa idade de trevas, de pensamento manietado ou ausente, uma Idade Média de ideias laminares, de espessura nula, de frivolidade e vaidade, de zero, de vazio de conteúdo. Terão de passar várias gerações para que este efeito de ausência mental se perca e possa ser substituído por alguma coisa parecida com identidade e indivíduo, por uma sociedade de seres pensantes, apaixonados, razoáveis e sem uniforme. Eu sei que isso é um sonho. Foi sempre um sonho.
Artur Torrado
1 comentário:
bolas, pensei que era o fim de um ciclo...
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