terça-feira, fevereiro 14, 2006

Postquatro

Tinha que te falar hoje das impressões que o passar do tempo foi deixando de ti na minha memória. Imagens, sempre imagens, múltiplas de si e indiferentes. Pensar-te é o mesmo que pensar milhões de outras coisas diversas. Mas quando te penso, penso-te a ti. E quando penso milhões de outras coisas diferentes, procuro nelas o que tu lá deixaste.
Não é por uma questão de comemoração. Não sou solidário com a translação da Terra. É por uma questão de marca que se apôs a todos os movimentos e a todas a células de que o meu corpo é capaz. Os dias são para mim, há muito tempo, o ritmo ocasional do teu rosto e as frases que uso para me cumprimentar de manhã ao espelho têm sempre um nome que começa por ti.
Sei que tu sabes que eu sei que isto não é nada de importante. As escalas de importância são como a escala da música. Há notas que nos tocam e outras que projectam indiferença. Mas também sei que sabes que eu sei que já não cedo facilmente ao destino e olho para o caminho com a mesma sobriedade com que marco os meus pés na areia da praia.
Anos depois ainda não encontrei as palavras certas. Embora eu saiba que tu sabes que eu sei que não existem essas palavras certas, é sempre por elas que persisto nesta procura de um ocasional tom de milagre que um dia faça parecer harmonia o movimento fortuito de duas cordas que tentam ocasionalmente vibrar em conjunto.
Agora que se tornou fácil de dizer que sentir ou não sentir é uma questão de moléculas e em que uma paixão pode ser afinal não mais que uma hormona impertinente a desestabilizar a ordem, eu deixo à ciência as suas materiais certezas e continuo a fantasiar o desejo como música que não se explica. Nada acorda da matéria inanimada o acorde solitário que faz arrepiar uma emoção inesperada. Há um salto quântico entre essa indiferença perante o tempo e o espaço, e a entropia caótica que se gera ao fixar os teus olhos.
Hoje, por acaso, lembrei-me que há planos do saber que me interpelam sobre ti. Lembrei-me que há ocasiões em que estamos e outras em que é a ausência que marca o passar dos segundos. Lembrei-me também que os dados das experiências são muitas vezes contraditórios.
Mas, apesar da química, da genética e da matemática, continuo sem explicação para nada, como se nenhuma descoberta me movesse do meu irredutível amor. Mas há, apesar de tudo, muitas diferenças em relação ao tempo em que as perguntas eram um peso constante sobre a identidade dos sentidos. A maior dessas diferenças é, agora, ser capaz de sorrir trocista de todas essas explicações de que já não preciso.

Aibieme

3 comentários:

Maria Heli disse...

gostei muitooooooooooooooooooooo
de ler este post.

que bom regressar a este hobby que é a bloggosfera.

grata por continuares po aqui ;)

Mónica disse...

(as perguntas e não as perguntam, se me permites)
eu ainda não sou capaz de sorrir trocista de explicações, preciso delas, mas este texto fez-me sentir menos absurda
olha, no principio lembrei-me de um poema http://onzelapsos.blogspot.com/2006/02/ilusria-recorrncia.html
não sei porquê!
:-)

Zumbido disse...

Semcantigas, olho de lince, mesmo de óculos escuros. O Aibieme pede para agradecer.