quinta-feira, maio 04, 2006

Postoito

Não, não é culpa. Volto atrás apenas com a ideia de aprender. Procuro entre os erros que cometi, aquele ou aqueles que foram mais importantes. Sinto que tenho o direito de saber. Procuro entre os erros aquele ou aqueles que melhor possam assumir significados e ser razões. Mas não é culpa. Como sabes, decidi abolir a culpa. Sentia-me demasiado só, demasiado carregado, ao assumir as culpas de tudo e de todos como se apenas eu tivesse errado. Era demais para um corpo só, para um corpo frágil, sem estrutura para ficar soterrado nas toneladas de resíduos que todos deitavam fora com a maior da volubilidades. Era demais. Não era eu que tinha de ter a culpa toda de tudo. Fiz, por isso, o mesmo que os outros: renunciei à culpa. Primeiro à culpa, depois à responsabilidade. Por uma questão de justiça. Por uma questão de sobrevivência.
Sim, eu sei que tu estás convencida que a culpa foi toda minha. Mas até aí ainda não cheguei. Ainda não sou capaz desse grau de pureza de te considerar a culpada de tudo. Isso ainda não consigo. Mas continuo a tentar. Sei que perco bastante tranquilidade em não conseguir essa ausência. Sei que estaria num outro degrau da realidade se conseguisse olhar para ti como causa única de tudo o que é mau e, assim, descansar de vez a minha consciência. Mas, por enquanto, tenho de conceder essa limitação da minha personalidade. Talvez venha daí o meu esforço em querer perceber o que se passou. Busco nos erros, epifanias. Busco nas falhas, sensibilidade. Busco nos desvios, reorientações. Busco nos desastres, o acaso. Busco nas fugas, a tua mão.
Disseram-me que era uma questão de tempo. Como o peixe que continua a crescer na imaginação do pescador que o apanhou, assim é o meu entendimento da história. Virá um dia em que não seremos mais do que estranhos. Estranhos mais estranhos que os que nunca se conheceram. É isso que esperamos do tempo, mais do que a cura das feridas ou a redução do medo. O que faço agora no passado, é espreitar cuidadosamente as gavetas nunca abertas e tentar apanhar os sonhos que voaram. O mais estranho é nunca te encontrar nesses lugares...

Aibieme