quinta-feira, maio 11, 2006

Vagas

Poderia pensar que o sol me incomodava. Torcidos que estavam os dias e os sentimentos parecia que a escuridão haveria de proteger os sentidos.
Mas não aconteceu assim.
Não voltaram os fantasmas e o sono foi calmo, a própria consciência adormecida, encolhida na suavidade fácil da almofada. Não tenho ainda notícias claras de que o medo fez a viagem de regresso. Sinto-me acompanhada nas minhas teorias da pobreza. Não percebo porque isso me anima tão pouco. Deveria ser agradável sentir a proximidade.
Mas procuramos desesperadamente a popularidade, a aprovação da maioria, mesmo sabendo que a maioria aprova por não pensar, apenas pela vaga sensação de que deve seguir nesse sentido. Custa que a sintonia se faça com tão poucos.
É dramática a ilusão que vou encontrando nas maiores certezas. Tudo o que vai fluindo é apenas o rasgo aproximadamente inútil de um gesto que se perdeu em flagrante delito de impaciência. Não me restam muitos caminhos no meu desengraçado processo de ilusão. Passo os dias e as noites embriagada de potenciais. Tudo assente na vaga solução de nada poder acontecer ainda que venha a ser uma agradável surpresa.
Nem me engano nem desengano. Supero cada instante como se fosse heroína, sabendo de antemão que é apenas a letra garrafal que ofusca o fracasso, pensando ao mesmo tempo que esse fracasso é de facto um sucesso inacessível às maiorias e aos acasos do momento.
Não adianta muito - não adianta nada - toda esta lamentação - admitindo que isto é uma lamentação.
O pormenor é sempre um desgosto. A alegria é a coisa global e abstracta, a coisa pública, a fachada do edifício que morre lentamente. A alegria é a potência do tempo, sinal apenas de ocasiões inexistentes, forma a conformar aspectos de inegável vazio.
Não tenhamos ilusões, a perda, o lado da desgraça, é a essência, o detalhe que encobre cada superfície pintada de fresco, macrocosmos do nada, envolto em ilusões vagamente alicerçadas em desconfiança e pudor.
Nada se é fora do incómodo de ser. Difusas luzes podem, por momentos, questionar o nada e a decadência. Outra vez o potencial de não ser. Divagações entrecortadas de legitimidade e afirmação. Nadas que se sobrepõem à sensação e à certeza.
Não adianta querer reforçar o medo, tudo é informe e destroçado na origem da própria confirmação.
Já não me peço significados nem decisões. Limito-me a despachar cada dia como se fosse um dejecto e pego no segundo seguinte com luvas esterilizadas.
Não há forma de o desejo permanecer coisa desejável. Vira-se o olhar para o lado e lá está, de novo e ainda, o peso de uma consciência perdida.
Ignoro. Agora ignoro tudo. Agora quero que me não digam nada do que se está a passar. Quero a ignorância, a ideia vaga de que poderia ser de outra maneira. Prefiro ficar só com a minha difusa imaginação. Fecho os sentidos. Encerro a actividade para um inventário infinito.

Beatriz Teresa

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