Não é fácil aceitar o vazio.
Olha-se para o horizonte e fica-se à espera que surja qualquer coisa.
No silêncio da noite, os sentidos aguardam a negação do nada.
É uma expectativa milenar, herdada e legada para fazer de conta que há alguma coisa.
Foi ficando da ignorância dos tempos, um rasto firme da alergia à inexistência.
Toda a razão, toda a informação intimamente acumulada, choca com um passado todo poderoso onde se definiram as verdades eternas.
O homem, esquecido que é o pó das estrelas, prefere ser o bolor da história.
Os tempos novos são de recuo.
A evolução, fosse o que fosse, parou perante a manipulação orgânica da consciência.
A protuberância do umbigo, deixou de acreditar na terra como centro do universo e ficou orfã de centralidade.
O Deus que tudo justificava, continua a servir, metido no bolso da conveniência.
O homem passou a ser uma deficiência fatal do planeta.
Não é fácil aceitar o vazio.
Como não é fácil aceitar a contingência.
Melhor seria que tudo estivesse previsto, e uma potência qualquer determinasse cada movimento.
Melhor porque mais fácil.
O músculo cresceu e evoluiu para agora ficar parado, desajeitado e inútil, a definhar na sua preguiça inconsequente.
Mandam, então, os que têm a ambição de mandar.
Determinam sobre a inércia própria dos que não se querem aborrecer.
Quem diga duas palavras seguidas sobre um pedestal suficientemente elevado, receberá os aplausos da multidão perdida de tédio.
Não é fácil aceitar o vazio.
Na infância iludem-nos com espaços, tempos e estômagos bem cheios, repletos.
Esgotam-se nos primeiros anos os terrenos da maravilha, e todo o resto do tempo se passa a ignorar.
A paz da morte há-de ser mantida.
Nenhum esforço será exigido.
É preciso que nada desperte emoções lúcidas.
É preciso que cada palavra nova seja isenta de surpresa.
Beatriz Teresa
1 comentário:
Beatriz Teresa,
Excelente dissertação sobre a actualidade da realidade humana: "o homem passou a ser uma deficiência fatal do planeta"; "é preciso que nada desperte emoções lúcidas", escreves, com sabedoria, num dos textos mais lúcidos que li nos últimos tempos.
Gostei muito. Um abraço.
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