Não procuro o mistério nem a assombração.
Não me interessam os lugares que servem de esconderijo às lendas.
Desprezo realmente a ocultação e o truque.
Não tenho paciência para os enfeites nem para as divindades.
Aborrecem-me de morte os exercícios de adivinhação.
Não consigo olhar duas vezes para as ilusões fanáticas.
E a magia serve-me apenas para brincar.
Prefiro dizer que não sei.
Que ainda não, e que talvez nunca venha a saber.
Pensar a ignorância como o estado em que se está à espera.
Pensar o desconhecido como lugar onde ainda não cheguei.
Mas este não é hoje um lugar muito habitado.
Só vejo ânsia de acreditar.
Só vejo ânsia de receber.
Dificilmente encontro alguém à procura.
É raro o rosto que aceita morar no intervalo entre a escuridão e a luz.
Perfilam-se no horizonte exércitos rigorosos a defender verdades.
Constroem-se muros a separar mundos.
Matam-se em cada reduto todos os sinais de crítica e razão.
Rendem-se os pensamentos à sabedoria enlatada.
E acredita-se, acredita-se muito, acredita-se em acreditar.
O crédito como Deus acima de todos os deuses.
Alinham-se contra uma parede os corpos que não alinham.
Estaremos a chegar ao fim da linha?
Não sei...
Não procuro o mistério nem a assombração...
Sísifo
4 comentários:
morar no intervalo entre a escuridão e a luz parece-me ser, agora, a única forma de resistir e continuar. meio dentro, meio fora.
no entanto, o mais certo é não chegar, não ser apenas assim crescer e ser...
gostei. muito.
Cada um resiste à sua maneira,cada um encontra o seu Intervalo...Saberemos continuar a encontrar pontos e intercecção nestes nossos diferentes intervalos?
Obrigada pela lucidez e beleza que transmites!
sabes do que mais gostei?
Do passo acima da indiferença...
"É raro o rosto que aceita morar no intervalo entre a escuridão e a luz".
Permito-me discordar desta tua afirmação, Sísifo.
Contrariamente, penso que a maioria opta por morar na penumbra, onde as hipóteses de dissimulação "à medida", largamente procuradas, são mais favorecidas.
Beijo.
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