quinta-feira, janeiro 11, 2007

E o meu futuro foi aquilo que se viu

O amigo Japinho fez-me interromper a hibernação para me lembrar do que é que queria ser quando fosse grande quando era pequeno. A seguinte é uma das versões.


Acabamos por ser sempre o que queríamos ser em crianças mas não tínhamos nem dados nem discernimento para descrever. Isto porque o querer é uma força, e no caminho que os dias de hoje nos reservam apenas impera a eficiência da vontade que cada um tem. Admito portanto que na origem, nos primeiros anos, no tempo em que ainda pensava sem pensar que pensava, a minha vontade incógnita era, já então, ser um equívoco. Mas não era possível, pela força das circunstâncias, assumir uma vontade incompreensível e irrealizável dentro dos padrões que são geralmente atribuídos às crianças. Dizia, por isso, que quando fosse grande, quando tivesse assumido essa idade mítica de já saber o que queria, haveria de ser o inventor da harmonia, da equivalência e do movimento perpétuo. Parecia simples e evidente, como continuam a parecer simples e evidentes os meios para criar e manter uma proximidade formal entre a realidade e a ficção.

Os desejos manifestados na infância são voláteis como os dias e os brinquedos. Nos livros do tio Patinhas, o professor Pardal tinha no laboratório um cartaz a anunciar os seus serviços que dizia: inventa-se qualquer coisa. Devo ter nascido aí no meio do paradoxo dessa frase, e nunca mais recuperei a lucidez.

Descobri já há bastante tempo que o que faz a particularidade de cada indivíduo são as suas doenças, as suas inaptidões para a norma: fôssemos todos sãos e integrados e seríamos espécie extinta de tédio. Olhar para as coisas é a melhor maneira de não as ver e cada verdade pode estar mesmo ao lado do óbvio embora o mais certo seja estar em lugar nenhum. Vale então a infância como o lugar onde ainda havia uma hipótese para a verdade. As frases eram curtas e precisas e cada palavra dizia apenas uma coisa. Brincámos com isso com toda a seriedade até que um dia fomos colocados no mercado...

Passo o trabalhinho a três amigos que andam também com um problema de expressão: Torcato, Lino e Jakim.

Ikivuku

3 comentários:

Fausta Paixão disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Fausta Paixão disse...

com que então foste inventado?

e colocado no mercado?!

é pah, eu sei que tudo tem um preço mas colocares assim o anúncio desta maneira é bem mais interessante!

addiragram disse...

Ikivuku, um outro PESSOA?