Não tenho que saber o lugar de onde vim.
Não tenho terra, não tenho a obrigação do regresso nem a justificação da sedentariedade.
Fico onde estou enquanto quero ou as circunstâncias são propícias.
Não tenho que saber quando cheguei.
Submeto-me aos relógios do instante e aí encontro abrigo
Parto logo a seguir ao amanhecer quando a luz já é firme.
Não tenho que dizer como me chamo.
Os sons que se propagam no ar trazem sempre um nome.
Não é aí, na denominação de origem, que seguro os meus mitos.
Não tenho que jurar fidelidade à evidência.
Procuro restos nos caminhos perdidos da invenção.
Faço o meu caminho pelos atalhos que tornam a certeza mais distante.
Não tenho que preocupar-me antecipadamente com a morte.
Voo todos os dias sobre penhascos e incandescências.
Flutuo placidamente em rios de lava e espanto-me com todo o vazio.
Não tenho que jogar às escondidas com o sentido.
Passo abertamente à frente do medo e defendo-me gritando.
Compro todos os dias o jornal para embrulhar e manter quentes os sonhos.
Não tenho que gemer os sofrimentos.
Quebro um elo de cada vez e fabrico a importância do desejo em golos doseados de líquido incolor.
Cubro o olhar com lágrimas para consumo interno.
Não tenho obrigação de acompanhar os tempos.
Faço o meu lugar como faço a barba pela manhã à procura do rosto que reconheço.
Subo um degrau de cada vez com a lentidão própria de ficar a saber como descê-lo.
Não tenho força para resistir ao vento forte.
Dobro-me inconstante à passagem da tempestade, ignorante dos objectivos supremos.
Uso o meu corpo para ser outra vez, outro lugar, outra coisa.
Não tenho que ter amor aos símbolos nem às divindades.
O meu cosmos é o maior e o menor de todos, e descreve-se a si próprio como lume herdado da natureza.
É vão discutir: importa apenas o lugar onde nasce a palavra.
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