terça-feira, junho 13, 2006

Interesseiro

A mim interessa-me pouco o interesse. Interessa-me não me interessar por nada e ter com os outros interesses a relação calma e saudável de quem sobrevive. Porque não interessa nada a ninguém que eu tenha ou não tenha interesses. Num certo sentido é mesmo isso que me interessa. Que os interesses que tenho sejam tão pouco interessantes que, digamos assim, não haja interessados em interessar-se pelos mesmos interesses que eu. É nesse sentido que não tenho interesses. Claro que me interesso por coisas interessantes. Mas as coisas que considero interessantes não têm geralmente interesse nenhum. É por isso que quase sempre as outras pessoas acham desinteressantes os interesses que me interessam.
Poderia enumerar aqui uma série de coisas desinteressantes que me interessam muito particularmente. Mas como parto do princípio que não interessam a ninguém, não há interesse nenhum em divulgar de forma desinteressada os meus modestos interesses.
Não deixa de ser curiosa – ia dizer interessante – a ideia de considerar modestos os interesses particulares. Porque ao dizer modesto eu estava interessado em realçar o interesse que os modestos interesses têm. Interessa-me, portanto, que o que quer que eu diga dos meus interesses seja inferior ao interesse que deveras lhes atribuo. Por outro lado não me interessa rigorosamente nada que os meus interesses sejam muito particulares. Não é aí que vou buscar o seu interesse. Interessa-me sim que os meus interesses sejam mesmo interesses meus e não interesses que tomo emprestados dos interesses de outros apenas para que os meus interesses não sejam assim tão particulares. Interessa-me também que o interesse que as coisas que me interessam têm, seja um interesse bastante superior ao meramente interessante. Porque entre estar interessado em estar interessado e estar interessado em parecer interessado vai uma interessante diferença.
Se me interesso por alguma coisa - e seria interessante sabê-lo - e se esse interesse que sinto é um interesse muito particular - e desprezo por desinteressantes os interesses que não são particularmente particulares - então é interessante reconhecer - e cá está um interesse particular - que não é o interesse que me interessa mas o que há de interessante nas coisas que me interessam, mesmo que não interessem a mais ninguém.

Prólogo

4 comentários:

Bastet disse...

Não me interessa nada o que te interessa, não achas interessante? ;)

prologo disse...

Não. O que é interessante é eu interessar-me por aquilo que te interessa e isso não ter interesse nenhum para ti. Mas é provável que diga isto apenas para despertar o teu interesse. Embora não me interesse saber se isso me interessa.

Bastet disse...

Sabia que irias achar qualquer coisa de interessante no meio de tudo isto! eh, eh!

Maria Carvalhosa disse...

Já deixei no Prólogo as minhas impressões sobre o (des)interesse que a tua escrita me provoca.

um beijo.