domingo, junho 11, 2006

Efeméride

Parece haver uma boa razão para as religiões evitarem nomear o Deus que as define. Digo-o numa perspectiva científica, racionalista e razoável: acredito que há sempre uma causa para todo o efeito.
Em tempos, nas minhas investigações, explorei a hipótese de ser uma tentativa de evitar a banalização. Parecia-me que a sistemática enunciação de um Nome, ainda que divino, Lhe haveria de provocar um indesejado desgaste e consequentemente uma perda de valor de Mercado. Quando percebi que os valores de Mercado têm estranhos comportamentos retirei a hipótese: um Nome é muito mais valioso pelo nível de notoriedade do que pela qualidade percebida. O conceito de Bom Nome é pura retórica que não alimenta ninguém. Falem de mim, ainda que mal, mas falem.
Noutra fase acreditei – é inevitável o recurso à crença – que se omitia o Nome por respeito, por consideração pela Entidade cujo reconhecido mérito ultrapassava toda a contingência e toda a compreensão e deveria por isso, ser digno de permanente homenagem. Não foi difícil descartar esta hipótese através da simples observação da contabilidade das instituições. Enriquecer não é um direito mas um dever. O Mercado é o desejo de saciar todos os desejos.
Houve outras hipóteses irrisórias que nasceram e morreram sem mérito nem heroísmo, permanecendo a causa do efeito na sombra dos mitos. Se a ciência não sabe esqueçamos a ciência.
Sobrou, no entanto, a convicção de que a História tinha acumulado dados de experiência que conduziram ao tabu. Uma lei que não possa ser compreendida será imposta pelo medo. Ficou, por isso, para um não crente como eu, a crença de que o Nome não deve ser dito. Não é em vão que o tempo deixa Marcas. A omissão do Nome é uma marca da Evolução, como o oxigénio que respiramos; como a posição erecta do corpo; como a visão sobre a zona mais abundante do espectro solar; como o polegar oponível; como os nove meses de gestação...
É essa a razão porque omito os nomes. Não digo, não pronuncio os nomes de quem gosto. Evito os nomes das coisas. E daquilo que odeio tento nem pensar o nome. Ultimamente esforço-me por não memorizar os nomes que ouço. Os nomes das pessoas, os nomes das instituições, os nomes das empresas, os nomes das marcas, dos políticos, dos artistas, dos escritores, os títulos dos livros, das músicas, dos filmes.
A verdade é que agora não quero saber nenhum nome, nem apelido, nem alcunha, nem número de identificação...
Se eu dissesse o nome da coisa horrível de que estou a falar, estaria inadvertidamente a promovê-la e a aumentar o seu valor de Mercado.

Artur Torrado

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