terça-feira, junho 13, 2006

Vertigem

Fui avisado a tempo de que não deveria falar da verdade.
Disseram-me porquê e não esqueci, apesar de as razões serem absurdas e inqualificáveis.
É, portanto, com conhecimento de causa que minto.

Avisaram-me que não me aproximasse demasiado dos precipícios.
Que não olhasse o sol directamente nem me expusesse à fúria da tempestade.
Que não enfrentasse o mar nem o deserto sem instrumentos de navegação.
Que não me deslocasse para a beleza encantadora da neve sem me cobrir com agasalhos.

Há sempre alguém ao longo da estrada que me mostra no seu passado as feridas.
Dizem, com boas intenções, que devo aprender em vez de arriscar.
Há sempre alguém no içar incompleto da bandeira que diz saber do que fala.
Diz das dores que o corpo padeceu para encontrar o caminho de que se queixa e orgulha.

Eu oiço, por pensar que é possível que alguém saiba alguma coisa nova.
Tinham-me avisado que as palavras poderiam ser perigosas.
Tinham-me dito, quase em segredo, que constava não terem permanecido vivos os que tinham contactado com a verdade.

Hoje poderia ser, por tudo isto, uma pessoa avisada e consciente.
Pode dizer-se que se conjugaram os astros e as razões para que fosse um homem feliz.
Houve em todo o processo, em todo o andar da carruagem, sinais benignos e informações construtivas.

Hoje poderia estar aqui entretido a descrever as minhas vitórias e a queixar-me com o mesmo orgulho das derrotas.
Poderia estar aqui a enunciar conselhos e a mostrar caminhos.
Poderia estar a mostrar a voz da experiência e a zombar dos erros da ingratidão de cada um.

Mas a coisa correu bem.
Continuo a ser capaz de dizer que não percebo o que aconteceu.

Sísifo

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