segunda-feira, outubro 09, 2006

A dificuldade de ler (65- C5/P8)

- O teu prazer pelo meu sucesso será tão grande ou maior que o meu. E assim laborarás para que nos meus momentos de incerteza eu continue, e serás o alimento suplementar do meu entusiasmo.
- Sim?
- É assim que a história se constrói. Todo o progresso é a ventania do macho que valentemente se atira contra a impossibilidade enquanto a fêmea mantém a retaguarda e conserva as conquistas. No desânimo do esforço que não é recompensado, é ela que aponta de novo o objectivo e recompõe o ânimo do guerreiro para que ele regresse à lide e consiga nova conquista.
- E isso não acaba? Há sempre mais conquistas?
- Para isso ainda não tenho resposta. Ou antes, tenho duas respostas. O processo de conquista acaba quando se encontra Deus. Mas ainda não sei calcular quanto tempo demora. Por isso não sei quanto tempo dura esse 'sempre' durante o qual há a necessidade de fazer mais e mais conquistas, mais e mais descobertas, mais e mais confrontos, mais e mais massacres. Podemos estar a chegar mesmo à porta de Deus. Mas também podemos estar muito distantes. O caminho já eu sei que é o estudo do pormenor, a especialização, a atenção minuciosa ao particular. Não sei é até onde teremos de ir nessa especialização. Não sei qual é a resolução da imagem.
- Queria deixar aqui um pensamento que tu não ouvisses.
- Como?!
- Preciso de dizer coisas que não quero que tu oiças. Como é que eu posso fazer isso?
- Não te percebo. Eu oiço-te. Enquanto estiver aqui oiço-te. Quando saio não sei o que dizes. Admitindo que falas sozinha. Não tenho escutas se é isso que temes.
- Não. É provável que não tenhas escutas. Referia-me a querer dizer coisas que não te interessa ouvir.
- Neste momento, como sabes, só me interessam assunto relacionados com os meus estudos. Tudo isto é uma perda de tempo. Sabes que eu não tinha que te estar a explicar nada. É uma deferência da minha parte que acaba por soar-te como uma fraqueza. Tudo porque estou há pouco tempo nesta posição de adulto emancipado e ainda tenho alguns tiques de adolescente inseguro. Restos que a pouco e pouco vão desaparecer. Mas fala à vontade. Fala como se eu não estivesse aqui. É provável que hoje ainda dê atenção às tuas palavras. Uma atenção vazia mas ainda uma atenção. É uma fase. Uma fase enquanto não me viro em definitivo e profundamente para a minha reflexão. Sei que a seguir, depois de ter estado a construir o meu meio seguro, vou recolher-me à invenção, vou retirar do escuro as forças que dão brilho ao universo, e aí, a esse oásis da criação, já não chegarão nem as tuas palavras nem os teus desejos.
(continua)

Torcato Matos

2 comentários:

Fausta Paixão disse...

Caro T.Matos, aguardo impaciente a sua folha número 69.

vague disse...

Estão ambos à procura, ele mais que ela?

Surpreende blogosfera.