segunda-feira, junho 26, 2006

A dificuldade de ler (1)

Preâmbulo


Quando há no texto a impressão de não ter nada a dizer ficam dos dias passados ocasiões propícias a formas arredondadas de letras e números que se querem trágicos e arrebatados. Não é justo que todas as palavras sejam indiferentes ao sentido. Deixam-se cair como gotas de chuva sobre o chão preenchido de terra seca e tudo se esvai em cheiros de calor e perda. Na dispersão das letras formam-se ideias vagas sobre o vazio e tornam-se os pesos de consciência mais ligeiros e infinitos. Não há tragédia nenhuma na saída desfigurada do tempo. Teria sido mais claro se houvessem desígnios eficazes sobre a natureza da verdade.

Ele entrou pela porta do arco que está em frente ao lugar mais alto do pudor. Pediu, com voz um tom acima do exigido, que lhe dessem de beber um sangue qualquer. Não houve resposta, pelo menos que eu saiba, embora eu não faça parte desta história. Ele poderá ter ouvido qualquer coisa que nunca saberemos. Pelo menos eu nunca saberei, porque mesmo não fazendo parte desta história, tenho a minha opinião e se sei que naquela altura não houve resposta não será agora, esquecido o acontecimento, que ele irá dizer que ouviu o que quer que seja.

Mas confirmo, apesar de a minha confirmação poder não ser digna de confiança pelas razões já avançadas, que o vi beber um sangue qualquer. É bom que o diga aqui pois não teria interesse nenhum em falar deste assunto se não tivesse havido sangue. (continua)


Torcato Matos

1 comentário:

Elipse disse...

Aguardo pois a continuação ou o desfecho para confirmar a existência do conteúdo do texto. Ou do sangue.