quarta-feira, junho 28, 2006

A dificuldade de ler (3- P/P3)

Falava eu do pulso que neste caso pode ser o pulso dele. Estava deitado, sobre a perna direita o pulso direito e sobre o volante a mão esquerda mantinha o seu mais directo pulso suspenso das decisões do cérebro que bebia sangue dentro das catedrais. Pulsava, portanto, o pulso em ritmo de cruzeiro, sinal apropriado à via e à morte e ao mais que se quiser.

Há entre o suicida e o pulso uma relação de amor-ódio. Vários autores, todos experientes, sustentam que o pulso pode ser uma espécie de alter ego do inimigo. Outros autores, também experientes, dizem o contrário mas com menos veemência.

Ele acendeu um cigarro com o isqueiro do carro. Não sei se o renault quatro gtl tem isqueiro. Mas isso não é relevante porque poderá querer dizer que o carro não era um renault quatro gtl. Não me surpreenderia que não fosse porque nenhum outro nome de carro tem, neste momento, a musicalidade necessária.

Abriu a janela de correr com um gesto brusco mas o fumo não saiu. Estava frio cá fora depois das gotas de chuva deslavada. O fumo recusava-se a sair do carro porque tinha o objectivo genético de entrar nos pulmões dele ou de outro qualquer humano. Seria lamentável que uma molécula que fosse se perdesse da sua função primária, do seu destino inscrito nos genes. Lembrei-me que também ele poderia ter nascido para matar e por isso se conformou a comer o fumo como sobremesa de sangue.

(continua)

Torcato Matos

2 comentários:

Elipse disse...

meu caro Torcato isto está a ficar muito sangrento!

Anónimo disse...

Não tenho culpa, Elipse. Limito-me ao factos, à realidade, à verdade e à evidência.