segunda-feira, junho 19, 2006

Postnove

Como sabes, não adianta nada a submissão. Foi uma perda de tempo acreditar que as cedências de hoje poderiam ter compensações amanhã. Acreditar, como acontece nos jogos e nas batalhas, que um ligeiro recuo pode ser estratégico para a posterior vitória. A vida é um jogo, desde que não seja a nossa. Quando está em campo o sofrimento próprio, o cinismo enterra-se na sua inanidade.

Mas também sabes que não nos submetemos por estratégia. A inteligência, como o gozo, tem um horizonte temporal curto, sucumbe rapidamente ao sentimento, perdendo aí o confronto com a ilusão. Acreditar, como acontece no teatro e no comércio, que a simulação é uma táctica fecunda para obter do outro o benefício. A vida é um teatro, desde que não seja a nossa. A realidade coincide com aquilo que cada um sente.

Sabes que episodicamente consegui fugir da minha realidade. Cedi, fui ao encontro do que manifestava o teu desejo e a tua vontade. Ensaiei os modelos de destino que não subscrevia. E depois de uma cedência – depois de uma perda – aprendi que vem sempre outra e outra. Acreditar, como acontece nos sequestros e no dever, que há um resgate que compensa o valor do risco. A vida é uma prisão, desde que não seja a nossa. Do formato equívoco da vontade nasce o outro equívoco da liberdade.

Só muito mais tarde soube – e não sei se tu sabias - que com a experiência não aprendemos nada que antes não soubéssemos. Testamos a liberdade por descargo de consciência, para sentir que o tempo passa na direcção certa. Acreditar, como acontece nos laboratórios e no amor, que o acaso - ou Deus - pode ter um dado viciado a sortear números impossíveis. A vida tem um destino, desde que não seja a nossa. Não me interessa o que está escrito em nenhum livro que me nomeie.

Sei que não sabes que eu não sabia que não era possível.

Aibieme

2 comentários:

Bastet disse...

Para já não me fez nada bem ler isto. Para depois talvez venha um desenfreado elogio e até um agradecimento. Sei que sabias que as palavras dos outros nos servem de estranhas maneiras e por isso não é bom saber também aqui que afinal não é possível.

Elipse disse...
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