quinta-feira, setembro 14, 2006

A dificuldade de ler (54- C4/P6)

Considero que exigente se aplica aqui a todo o decorrer deste congresso. Exigimos aos oradores o máximo da sua potencialidade e à assembleia o máximo do seu espírito crítico e a todos os intervenientes que deram suporte estrutural, económico e alimentar uma funcionalidade que foi por vezes divina. E sei que não falo só por mim. Falo por todos e falo com a consciência do dever cumprido. Eu faço assim, cada um fá-lo como pode. O privilégio é, hoje, a minha palavra chave, o meu talismã. Aferido o meu tacto por uma espécie de nova juventude, vivi aqui estes dias uma catarse enigmática que me revelou potencialidades inesperadas. Confesso-vos que me sentia acabado. O meu casamento já tinha o prémio das bodas de prata e não era estímulo bastante abalançar-me a chegar ao ouro. Não sou um corredor de maratonas. Gosto de congressos assim rápidos e eficazes em que se põem em jogo as artes equívocas da sedução e o jogo cintilante das palavras. Olha-se, deseja-se e toma-se posse. Gasta-se em poucos dias o lucro acumulado num ano inteiro e olha-se para o céu com a alma de novo pacificada e o horizonte aberto. Tudo porque umas mãos delicadas souberam, como numa dança, rectificar um tempero no momento exacto em que os olhares se distraíam na mobilidade dos corpos.
De de pouco posso dizer. De de sei que estimula a pertença, localiza no espaço tempo e na memória os tempos que já esquecidos voltaram agora animados de uma intempestiva pertença ao recontro reencontrado dos corpos, sentidos já como amolecidos e destinados à efervescência infernal da morte. Houve aqui neste congresso, neste enredo que nos enredou uns nos outros e que me enredou particularmente a mim numa estranha cumplicidade com o sorriso envolto nas bochechas louras, avermelhadas pelas brasas quentes, intervenção do sobrenatural, manifestação inequívoca do alto. Digo agora fechar usando o tropo de querer dizer exactamente o contrário. A tradição da contradição que faço minha neste momento elevado em que me despeço de vós com a sensação de que estaremos a partir de agora cada vez mais juntos e eu a segurar o meu símbolo de vitória e de encantamento que neste acesso de loucura enólica não resisto a partilhar convosco, expondo com a máxima substância a minha alma e o meu sentimento, figura míticas também, até esta benevolente semana.
Como me soa mal este este que vem de leste e me leva para o oeste como um pôr do sol que me diz que é já amanhã que vou ser outra vez feliz. O meu ciclo de vida que agora quero que seja também o vosso, faz-me querer cada momento como um ocaso que renasce. Este salto que aqui dou em cima desta mesa, como se pertencesse ao clube dos poetas vivos, é para mostrar, para demonstrar, para induzir, para deduzir, para detonar uma esperança nova num mundo novo que deva tanto à literatura, como ao fruto da cepa, como ao fruto oculto no olhar feminino. Uma celebração, portanto. Uma refeição universal de paixão, volúpia e néctar.”
(continua)

Torcato Matos

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