segunda-feira, setembro 11, 2006

Fumo

Do alto da montanha sobe um fumo negro.
Hoje é, outra vez, dia de iniciar uma caminhada esgotante.
O sol queima e as sombras recuam secas para longe dos trilhos.
Há fumo negro no topo da montanha.

Os mais justos, os que consomem calmamente a vida a muita distância da fronteira, cantam a virulência trágica das paixões.
Recolheram, em tempos, dados sobre a reabilitação do sagrado e prosperam agora entre orações e pecados ligeiros.
É muita a distância que os separa do fumo no topo da montanha.

Na primeira curva do trilho que me conduz à soberba vista, discutem, peões, a natureza negra do fumo no topo da montanha.
Sinais de fumo.
Erupção cinzenta.
Cachimbo da paz.

Não é credível a fama da ausência.
O que não está pereceu, com ou sem razão, sabendo ou não que perecia à espera do significado.
São inúmeras as interpretações e sobre elas se farão outras que terão a sua ocasião de sucesso.

Há em todos os caminhos obstáculos deixados ao acaso pelo destino.
Não chega a ser um pesadelo porque é apenas um sonho.
O desejo de classificar nasce na junção das primeiras células.
Só depois vêm os outros desejos.

Cada passo é mais difícil que o anterior por ser o que se sente agora, por ser o que não precisa da memória.
O que passou, passou, desceu de vez às entranhas da satisfação e esqueceu os passos em falso.
De nada serve a história das coisas quando a atenção se fixa no cansaço absurdo das pernas.

Hoje é, outra vez, dia de encaminhar o corpo para a sua vontade.
De o deixar ultrapassar a dor para consentir o desejo.
Hoje é, outra vez, dia de reconhecer no calor abúlico do sol a mancha escura que vive e mata.

Partem tranquilas as nuvens.
Sabem de longe a cor que acompanha a fuga.
Reconhecem à distância o apetite diagonal da fé.
E vão-se as nuvens do horizonte, ficando apenas o negro ameaçador do fumo.

Não há enganos possíveis no percurso.
Por todo o lado estão indicados os limites.
Sabemos sempre onde estão definidas as fronteiras.
Cada olhar esclarece à exaustão a cor perfeita para cada identidade.
Na profundidade do trajecto nada é deixado ao acaso.

Hoje é, outra vez, dia de chamar rotina ao desagrado e disponibilidade à dor.
Encaminham-se os sentidos e ignoram-se os impulsos.
Pede-se a cada segundo que passe indiferente à angústia e à necessidade.
O sol é quente de terror.

Desvia-se com frequência o trilho da intenção primeira.
Às vezes vou por aí, como se soubesse.
Às vezes imagino que podia não ser assim.
Quem sabe, um dia...

Sísifo

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