terça-feira, novembro 28, 2006

Binário

Às vezes é água, outras vezes é terra.
O sol escurece opaco e não há estrelas e é ainda a água que fala.
De manhã não amanhece mas permanecem alguns indícios do tempo.
Cora o rosto de tensão por não saber que medo ter.
E há um fluido de imensidão a esquecer-se no terreno.
Águas abandonadas ao seu destino, prosaicas de gozo e liberdade.

Sobre o asfalto da consciência crescem árvores de artifício.
Não é carne nem peixe, nem gesto de defesa.
Apenas a hora a mudar para o canto escuro da impressão.
Digo à noite que não sei nada do regresso.
As pálpebras ecoam cansadas, sem destino nem defesa.

Há no meio da multidão quem clame por justiça.
Diz-se a palavra como se diz adeus.
O reflexo de não saber dizer de outra maneira.
A astúcia especial em conformidade com as normas.
Nada é ilegal até que se prove o contrário.
E no meio do caminho corre a serpente à espera do repouso.
Um dia mais.

Na beira do caminho os transeuntes saltitam.
Já não há lugares fora dos eixos motorizados.
O passo certo deixou de ser natural como a sede de água pura.
E há muito ruído.

Ouvi os teus sinais esta noite ameaçadores.
Diziam palavras de fim sem sentido.
Ocasiões de morte sem regresso nem esperança.
Não é relevante encontrar caminhos sem lugar onde ir.
Pousam pássaros à janela.
Procuram migalhas de interesse e penas perdidas.
Não é hoje o dia de dar atenção à modéstia.

Às vezes a água, ás vezes a terra.
A lua hoje não vem escudada na ausência bipolar.
Sempre palavras a substituírem coisas.
E coisas a substituírem factos.
E factos a substituírem pessoas.
E pessoas a substituírem o teu nome.
E o teu nome a substituir-te a ti.
Não venhas então que eu espero.
Esperar-te-ei sempre que não vieres.

Na noite ocorreram incêndios em fábricas de pirotecnia.
O fogo esquecido vem então em auxilio do desejo.
Discutimos depois as razões.
Por agora ficamos apenas adormecidos a ouvir o som caótico das chamas.

Parei à porta do destino.
Não entrei.
Fiquei a pensar na minha liberdade.
Às vezes é água, outras vezes é terra.
Nunca o fogo se ateou na minha frente à espera das surpresas.
Não interessa.
O que quer que faça a seguir não estará no catálogo do hipermercado.

Beatriz Teresa

2 comentários:

Elipse disse...

a seguir... a seguir não abandones as águas ao destino e encaminha-as para um lugar distante do fogo. Sabe bem ver as chamas, não as que consomem, mas as que iluminam.

mfc disse...

O amanhã continuará a ser uma surpresa!