segunda-feira, novembro 13, 2006

A dificuldade de ler (80- C7/P8)

TM - Eu leria. Confesso que à medida que fui investigando foi aumentando a curiosidade.
IM - Talvez seja melhor assim. Na altura ninguém percebeu o que eu escrevi. Aqueles poucos que leram, e os ainda menos que comentaram não perceberam nada. Estavam completamente a leste do que estava escrito. Mas como não queriam passar por parvos perante um texto escrito por um adolescente, fizeram uma festa. É o mesmo que se passa hoje. As coisas não mudaram coisa alguma desde aquele tempo. Quando não se percebe nada, em vez de dizer abertamente que não se percebe nada, fala-se da multiplicidade de significados, da subjectividade do texto, da materialização de caminhos contraditórios, de imensidades criativas e de todo o tipo de disparates do mesmo calibre. O escritor que tem a lata de publicar umas palermices sem significado arranja sempre uma seita de seguidores que depois de se aperceberem do logro - admitindo que alguma vez se apercebem - já não têm como descolar. Umas vezes o grupo engrossa. Outras vezes acaba por desaparecer engolido por outra eclosão que faz os adeptos irem a correr atrás de outra lebre.
TM - Fico estupefacto com a essa sua ideia. Quando se lê a imprensa da época o que ressalta é uma grande admiração pelo seu trabalho. Adorava ler alguma coisa para conseguir perceber o que me quer dizer. O Isidro não me poderia deixar ler pelo menos um deles?
IM - Por mim não me importo que os leia todos se quiser. Só que eu há muitos anos que não tenho nenhum. Aos poucos foram desaparecendo. Suponho que a degradação interior os corroeu.
TM - E não procurou que os reeditassem?
IM - Para quê? Todos os dias se editam uma série de coisas inúteis e redundantes. Para quê alimentar essa onda?
TM - Há pessoas interessadas em lê-lo. Há pessoas curiosas sobre esses textos da sua juventude. É uma frustração não conseguir encontrar um único livro disponível.
IM - É melhor a frustração que a desilusão. Seria um erro enorme gastar dinheiro a reeditar aquelas porcarias.
TM - Não deveria falar assim de textos que marcaram uma época!
IM - Oh Torcato, não me faça rir. Estou a falar de coisas que eu escrevi. Você só 'gosta' desses livros porque nunca os leu. Mas já percebi que não há nada a fazer...
TM - Devia dar uma hipótese aos seus leitores. Não é justo que os prive...
IM - Talvez tenha razão Torcato. Mas enquanto não os lerem a minha fama estará mais segura. Eu próprio fico confuso com os meus sentimentos em relação a isso. Se eu porventura reeditasse esses livros corria até o risco de eles terem sucesso o que seria um drama terrível. Mas na improvável hipótese de notarem a trapaça que eles são o drama não seria menor. Foi mesmo bom que eles tivessem desaparecido todos.
(continua)

Torcato Matos

Sem comentários: